"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

terça-feira, 26 de novembro de 2024

O estudo: Colonização, desenvolvimento e ações antrópicas na Floresta Atlântica do Parque das Nascentes em Blumenau.

Hoje queremos compartilhar um dos principais estudos do nosso grupo, que tem relevância acadêmica e científica, mas também um impacto local significativo. Durante minha graduação em História, as discussões com professores sobre a pesquisa e publicação de textos sempre foram marcantes. Naquele tempo, a pressão por pontuações em programas de pós-graduação ainda não era tão intensa quanto hoje. Contudo, lembro-me de uma crítica que me marcou profundamente: qual é a verdadeira importância de uma publicação científica em uma revista?

A resposta que me guia até hoje é que um artigo científico deve levar informações para a comunidade, despertando reflexões e mudanças. A ciência tem o papel de transformar a sociedade e aprimorar nossa interpretação do mundo. Por isso, a publicação de estudos históricos e ambientais em revistas regionais, como a Revista Blumenau em Cadernos, é de extremo valor.

Essa revista, criada na década de 1950, já teve diferentes classificações no Qualis, e é frequentemente utilizada em pesquisas de História e outras áreas. Ela possui uma característica especial: seus textos são lidos principalmente pelas pessoas daquela região, o que permite uma maior identificação com os temas tratados. Quando publicamos o artigo sobre o Parque Natural Municipal Nascentes do Garcia em 2008, tínhamos a certeza de que ele poderia alcançar leitores que vivem no entorno do parque e contribuir para uma maior conscientização ambiental.

O estudo aborda as relações entre a ocupação humana e a Floresta Atlântica no parque, analisando o período entre 1890 e 2000. Utilizando a História Ambiental como base teórica, investigamos os impactos da mineração, da exploração madeireira e da caça sobre a biodiversidade da região. A pesquisa também utilizou fontes primárias, como a História Oral, resgatando memórias da comunidade da Nova Rússia, além de fontes secundárias, como bibliografias e periódicos.

Os resultados mostraram as consequências negativas das ações humanas para a floresta e para a comunidade local, mas também destacaram o papel transformador da criação do parque em 1998, que trouxe esforços concretos de preservação ambiental. Por fim, o estudo reforça a importância da História Oral para compreender os impactos históricos no meio ambiente e para valorizar a memória das comunidades. Publicar esse artigo em uma revista regional não foi apenas uma decisão acadêmica, mas uma forma de devolver à sociedade local uma ferramenta de transformação e conscientização.

Linha do Tempo dos Eventos no Parque das Nascentes

  • Antes de 1800:A região é habitada pelos indígenas Xokleng, que viviam da caça e coleta na Floresta Atlântica.
  • Início do Século XIX (1800-1850):1830: Um grupo de ingleses, acompanhados por um escravo, explora a região em busca de ouro, onde hoje é as Minas da Prata, mas desiste devido às dificuldades e contato com indígenas.
  • 1840: Existem notícias de que o escravo retorna com familiares e se estabelece na região, construindo moradias com materiais da floresta, plantando espécies exóticas e explorando madeira para produção de carvão e lenha.
Final do Século XIX (1850-1900):
  • 1860: Colonização do vale do rio Jordão, no sul da colônia Blumenau, expandindo a ocupação em direção ao ribeirão Garcia (alto Progresso até Encano Alto hoje Indaial).
  • 1868: Fundação da Indústria de Artefatos Têxteis Garcia S.A, no baixo Garcia, impulsionando a exploração madeireira em toda a região sul de Blumenau, até o  pé da serra do Itajaí pelo Vale do rio Garcia.
  • 1870: Além da exploração madeireira, trabalhadores em busca de minérios, protegidos pelo capitão Frederico Deeke, exploram a região das cabeceiras do Garcia e descobrem vestígios de prata. 
  • 1890: Início da exploração de minérios na região do ribeirão da Prata por uma empresa mineradora. A exploração da madeira e principalmente da mineração motivou a colonização, a partir do Vale do Jordão, da região que se tornaria a Nova Rússia.
Início do Século XX (1900-1950):
  • 1909: Consolidação da colonização da Nova Rússia, com a construção do cemitério e a formação da comunidade luterana e da escola.
  • 1920: A localidade passa a ser chamada de Russland ou Nova Rússia devido à presença de russos. Funcionamento de duas serrarias a vapor na região da segunda vargem. A exploração madeireira artesanal, com machados e serras de mão, se intensifica. Os colonos abrem espaço na mata para a agricultura.
  • 1940: Expansão da exploração madeireira para a região da terceira vargem e Encano Alto. Aumento da exploração comercial do palmito.
Meio do Século XX (1950-1970):
  • 1950: Declínio da atividade mineradora e ascensão da exploração madeireira como principal atividade econômica da região. Abertura de uma estrada que liga o ribeirão Jordão à sede do futuro parque, impulsionando a exploração madeireira.
  • 1960: Intensificação da exploração madeireira com novas tecnologias e mecanização, demandando mão de obra qualificada e acelerando o crescimento demográfico. Migração de descendentes de colonos para áreas urbanas. Início do uso de motosserras, tratores e caminhões na exploração madeireira.
  • 1971: Instalação da energia elétrica na Nova Rússia, impulsionando o interesse pelas terras e o aumento populacional.
Final do Século XX (1970-2000):
  • 1973: Início do movimento preservacionista em Blumenau, com campanhas contra a exploração madeireira, a caça e a extração de palmito na região sul da cidade.
  • 1980 - 1988: A empresa Artex adquire terras na região com o objetivo de criar uma reserva de conservação.
  • 1988: Criação do Parque Ecológico Artex, impulsionado pelo ecólogo Lauro Eduardo Bacca, com o objetivo de proteger a floresta e os mananciais. Redução da caça e da extração de palmito na região.
  • 1989: Inauguração da linha de ônibus para a Nova Rússia, facilitando o acesso e aumentando o número de moradores.
  • 1990: A Nova Rússia se caracteriza por dois grupos: moradores tradicionais, descendentes dos primeiros colonos, e moradores de veraneio.
  • 1992: O Parque Ecológico Artex é reconhecido como RPPN pelo IBAMA.
  • 1998: A empresa Artex doa as terras do parque para a Fundação Municipal do Meio Ambiente (FAEMA) e a Universidade Regional de Blumenau (FURB). Criação do Parque Natural Municipal do Garcia (PNMNG) por lei municipal, protegendo a Floresta Atlântica e sua biodiversidade.
  • 2000: A exploração madeireira na região do parque chega ao fim.
Início do Século XXI (2000 - presente):
  • 2004: Criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, que engloba a área do PNMNG e se estende por outros sete municípios, protegendo mais de 50.000 hectares de Floresta Atlântica.
  • Atualmente: O PNMNG é um importante reduto de Floresta Atlântica e contribui para a preservação da biodiversidade e dos recursos hídricos da região. A comunidade da Nova Rússia se adapta à nova realidade de conservação ambiental.


Acreditamos que este estudo demonstra grande relevância tanto para o campo da História Ambiental quanto para as comunidades da região do Parque Natural Municipal Nascentes do Garcia (PNMNG) em Blumenau. A pesquisa se concentra no processo histórico-ambiental de ocupação humana na região, revelando como as interações entre a sociedade e a natureza moldaram a paisagem e o modo de vida local. Descrever e analisar as ações antrópicas na Mata Atlântica ao longo do tempo. A pesquisa examina o impacto de atividades como mineração, exploração madeireira, caça e extração de palmito na floresta, documentando as mudanças na cobertura vegetal e na biodiversidade. Evidencia as consequências, tanto positivas quanto negativas, ao longo do tempo, da relação entre a sociedade e a natureza. 

O estudo demonstra como a exploração dos recursos naturais impulsionou o desenvolvimento da comunidade local, mas também gerou impactos negativos, como a diminuição de espécies animais e vegetais, a erosão do solo e as inundações. Com a História Oral temos o resgate da memória da comunidade local e ela inserida na narrativa histórica. Através da História Oral, o estudo registra as experiências e percepções dos moradores da Nova Rússia, descendentes dos primeiros colonos, sobre as transformações ambientais e sociais que vivenciaram. Apresenta um estudo de caso detalhado que contribui para a construção de uma História Ambiental do Vale do Itajaí. A pesquisa oferece dados e análises específicas sobre a região do PNMNG, enriquecendo o conhecimento sobre a história ambiental da área e serviu de base para inúmeras outras pesquisas que desenvolvi e desenvolveram no grupo. 

Contudo o estudo destaca a relevância da História Ambiental ao explorar as relações entre sociedade e natureza, oferecendo uma análise do impacto da ocupação humana na Mata Atlântica do Parque Natural Municipal Nascentes do Garcia (PNMNG). Além de promover a conscientização sobre conservação e sustentabilidade, ele fortalece o sentimento de identidade local e fornece subsídios para a educação ambiental, valorizando a história da comunidade de Nova Rússia e incentivando práticas mais sustentáveis para o futuro.

Se você é da região ou se interessa pela relação entre sociedade e natureza, convidamos a ler o artigo e refletir sobre a importância da preservação ambiental em contextos históricos e sociais. A ciência, afinal, é feita para todos! E não apenhas para o pesquisador!