Neste texto a Historiadora Sandra Regina Rosa da Costa(1) apresenta uma história sobre "A caçada da Onça", produzido a partir de uma pesquisa realizada com seus alunos na comunidade "Toca da Onça". No estudo a historiadora e estudantes desvendaram o porque da localidade ter este apelido...
Era agosto de 1955 quando um
grupo de caçadores que morava no Vale do Itajaí, na região de Blumenau entre a
Fortaleza e Gaspar, se deparou com uma enorme onça. O
animal pesava aproximadamente 100 quilos e seu comprimento da cabeça ao rabo
era de 2 metros
e meio.
Nessa
localidade, moravam apenas quatro famílias. Uma delas era a do senhor Alfredo
Kath, que após casar-se com dona Helga, compraram essas terras do senhor Fritz
Hering e para lá foram morar. Construíram sua casa e ali eram agricultores,
tirando lenha do mato, plantando abacaxis e criando animais. Assim, essa
localidade ficou conhecida por muito tempo como “Morro do Abacaxi”, devido à
enorme plantação de abacaxis do senhor Alfredo.
Hoje,
conhecemos a região por Bairro Nova Esperança e no lugar dos quatro moradores,
se encontram milhares de famílias oriundas de todos os locais da cidade de
Blumenau e de cidades vizinhas, como também de estados vizinhos, principalmente
o Paraná. Juntamente
com o senhor Alfredo, havia muitas pessoas que por ali caçavam.
Da floresta
Atlântica se caçava paca, cutia, inhambu, gambá, cutia, sabiá, tatu e até
bugio. O senhor Ernesto Sheno, caçador de muitos anos, encontrou no meio do
mato, ossadas de um animal grande. Mais precisamente um graxaim com os ossos
todo ruídos, deduzindo com isso que para matar e comer um animal desses deveria
ser outro animal, maior e mais forte. Também encontrou pelos coloridos, troncos
de árvores raspados e pegados de patas no caminho, constatando assim que se
tratava de uma onça. Até
o momento, ninguém havia percebido o rugir da mesma. Somente uma senhora de
idade, que capinava no mato, prestando serviços na redondeza, dizia: “Aqui tem
uma onça”. Como era pessoa de idade bastante avançada, ninguém dava importância
ao que dizia, apenas achavam graça em seus comentários. Bem vivida essa
senhora, que por viver muitos anos no sítio, já conhecia o modo sorrateiro que
o bicho da selva costumava andar pela floresta...
A
partir da constatação do senhor Ernesto, caçador experiente, todos do lugar
ficaram apavorados. Ninguém mais queria ir para o mato sozinho, muito menos
dormir depois do almoço como era de costume. Senhor
Alfredo tinha dois filhos: Carmem e Nivaldo, que na época frequentavam o Grupo
Escolar Gustavo Richard. Para chegar à escola, eles andavam por uma picada no
meio da mata. E se a onça atacar? Não encontrariam nada mais do que ossos e
material escolar dessas crianças! O pavor estava instaurado na pequena
comunidade.
Um
dia, avistaram a onça na beira do pasto, perto do rebanho. E assim decidiram
que deveriam de capturar a onça. Estava ficando perigoso demais ficar ali a
mercê de um animal de tão grande porte. Homem e animal selvagem no mesmo
habitat não caberiam mais, pois ambos haviam invadido as fronteiras do outro. Hercílio
Deecke era o prefeito de Blumenau, e colocou uma recompensa a quem encontrasse
a onça. A onça viva valeria cem contos de réis, a onça morta, cinqüenta contos.
Iniciou-se então uma busca desenfreada para capturar a onça. Havia muitas
pessoas que se embrenharam na mata adentro a caça do animal sem resultados. Senhor
Alfredo, juntamente com seu amigo caçador, senhor Ernesto, começaram a se
preparar para o dia decisivo de também caçar o animal, com o objetivo principal
de encontrar o sossego que antes tinha em sua propriedade. Treinaram durante a
semana os tiros com suas espingardas, e quando se sentiram seguros,
embrenharam-se mato adentro num domingo de manhã, até encontrarem o esconderijo
do malfadado animal. Para
surpresa deles, o animal já tinha família, era um casal e estava morando bem
perto de sua propriedade, para o lado de Gaspar, porém fazia divisa com suas
terras.
Fizeram
uma emboscada, um em cada lado da toca. Quando o animal chegou, cravaram de
bala. O animal assustado embrenhou-se dentro da toca, que apenas de um buraco
médio dava de ver o bicho. Seu Alfredo disse que o urro do animal estremecia
toda a floresta. Cada vez que o animal colocava a cabeça para fora era quem
mais podia encher o buraco de balas de espingarda. Chegou um momento, tudo
ficou quieto. Não se ouvia mais a onça. Deduziram então que a mesma estava
ferida ou quem sabe morta. Uma pessoa do grupo, seu Klein, resolveu entrar na
toca para tirar o animal. Nesse momento, o animal de súbito dá o bote e ataca o
homem. Mais uma chuva de balas de espingarda e uma delas acaba atingindo a onça
na cabeça, que cai morto. Seu Klein escapa com poucos ferimentos. Seu Alfredo
disse que passaram muita fome no mato e que para tirar a onça dessa toca foi
muito difícil, pois a toca tinha uma abertura pequena e a onça, por se tratar
de um macho, era enorme.
Levaram
o corpo do animal mato adentro e saíram na localidade do Capim Volta.
Revezavam-se, pois depois da onça morta não faltou caçador para ajudar a levar
a mesma para a prefeitura. Após fazerem um desfile na rua XV de Novembro, com a
onça em cima de um carro, a levaram para o campo do Olímpico, onde foi carneado
e tirado o couro. Bateram muitas fotos, porem de tanto emprestarem, muitas se
perderam nos anos que se seguiram. O couro foi levado para um curtume e fizeram
um tapete, depois fizeram uma rifa e quem ganhou foi um senhor que o seu
Alfredo não sabe o nome, que na época morava na Rua Itajaí. Seu Alfredo ainda
ajudou a vender os bilhetes da rifa. A recompensa não foi em dinheiro. Os
cinqüenta contos de Réis nunca vieram. Veio sim, o reconhecimento e a
tranqüilidade para todos que moravam naquela região. Depois
de dois meses, a onça fêmea foi morta no Morro do Cachorro por outros caçadores
e nunca mais se ouviu falar de onças na nossa região.
Seu
Alfredo hoje tem 85 anos, embora doente, ainda nos conta em partes sua
aventura. Ele se perde na questão de tempo, pois tem dúvidas do ano ou da
estação que havia na época. Também nos diz que não se sabe de que espingarda
saiu o tiro que matou a onça. Dona Helga, com 81 anos lembra muita coisa.
Principalmente de que naquela época ali era uma verdadeira floresta fechada.
Lembra que brigaram muito para ter uma estrada, pois apenas tinha uma picada de
mato para poderem ir para o centro. Falou-nos também de seu pai, que no final
da vida veio morar com eles e depois ganhou o nome da primeira escola do
bairro. Eles doaram o terreno para a construção da escola e assim em homenagem
a eles, nomearam a escola com o nome de seu pai: Hermann Hamann. Dona Helga se
lembra das dificuldades de uma época que não tinha luz elétrica, água encanada
e que na medida em que vinham pessoas morarem na região, eles forneciam água de
sua nascente.
Foi
muito bom “resgatar” essa história, e mais ainda, “resgatá-la” para os alunos,
pois nós não devemos apenas respeitar e valorizar as grandes histórias
políticas da cidade, mas também as pequenas histórias, que na vida da gente,
torna-se um grande feito e contribui para o progresso e o desenvolvimento da
nossa região. Esse trabalho foi desenvolvido com a visita a casa do Senhor
Alfredo Kath dos alunos da 4ª série da Escola Básica Municipal Gustavo Richard
do ano de 2006. A
partir das visitas e das entrevistas, todas desenvolvidas informalmente entre
conversas e lembranças, conseguimos reconstruir esse relato histórico da nossa
comunidade. Procurávamos o porquê a nossa localidade tinha o apelido de “Toca
da Onça”. Com certeza a pergunta foi respondida.
(1) Professora da Rede Municipal de Ensino de Blumenau.
Graduada em Pedagogia pela UNIASSELVI. Licenciada Plena em História pela UNIASSELVI,
Pós-Graduada em Metodologia de História e Geografia pelo ICPG. E-mail: costapro@ig.com.br .
2 comentários:
Este patrimônio ambiental e cultural precisa sempre ser revisitado. Parabéns pela pesquisa.
hoje em dia nem onça mais tem,chega ser triste pq tem muitas pessoas que caçam por esporte :(
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