"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

domingo, 30 de junho de 2024

Morro do Boi: uma experiência enriquecedora com pesquisa de Iniciação Científica


Em 2009-2010, nosso grupo vivenciou um ano bastante agitado, com diversas frentes de pesquisa em andamento. Entre essas iniciativas, uma experiência se destacou não apenas pelo caráter acadêmico, mas também pelo seu impacto social: a contribuição para a implementação da terra quilombola Quilombo Morro do Boi.

A comunidade solicitou reconhecimento em 2009, e essa demanda chegou até nós por meio do Dr. José Roberto Severino, professor do Departamento de História e então atuante na Secretaria de Cultura de Itajaí. Nosso grupo iniciou um projeto de Iniciação Científica que envolveu visitas à comunidade, caminhadas de reconhecimento e entrevistas com os moradores. Fomos calorosamente recebidos, e os relatos colhidos foram fundamentais para compreender as relações entre a sociedade e a natureza naquele território.

Embora a pesquisa e nosso contato com o processo de regulamentação não tenham avançado, isso devido as demais demandas de pesquisa naquele contexto que nos afastaram, vale ressaltar que os dados coletados proporcionaram uma compreensão valiosa sobre a cultura local e sua interconexão com o ambiente, e com isso demos um importante passo na História Ambiental do Morro do Boi. Posteriormente, essa experiência foi publicada na Revista Identidade da Unisinos.  Você pode conferir a notícia da publicação aqui.


O Quilombo Morro do Boi começou a se formar na década de 1950, quando descendentes de escravos negros das comunidades litorâneas de Santa Catarina, como o Valongo, se estabeleceram na região. Esses primeiros moradores encontraram um ambiente já modificado, com áreas de floresta secundária e capoeiras, resultado de décadas de exploração madeireira e coleta de palmito.

As práticas agrícolas e a caça eram fundamentais para o sustento das famílias. Extensas áreas foram desmatadas para o plantio de mandioca, milho e feijão, usando técnicas manuais e ferramentas simples, como enxadas e machados. A agricultura era principalmente de subsistência, com produtos raramente vendidos, mas trocados por mercadorias em comunidades vizinhas. Além da agricultura, a caça era uma atividade comum. Homens da comunidade se aventuravam na floresta para caçar aves, pacas e outros animais, usando espingardas e facões. A pesca também fazia parte do cotidiano.

O desenvolvimento da comunidade foi impulsionado pela exploração de madeira e, posteriormente, pela exploração de granito. A construção da BR-101, na década de 1970, transformou a dinâmica local, levando à desapropriação de terras agrícolas e alterando o acesso à região. A estrada trouxe tanto benefícios quanto desafios, incluindo a interrupção das atividades agrícolas em larga escala. Com o passar do tempo, a constante exploração dos recursos naturais resultou no enfraquecimento do solo e na diminuição das áreas florestais. As mudanças ambientais também impactaram a fauna local, com muitos animais desaparecendo devido à perda de habitat. 

Recentemente, ao ministrar aulas sobre a cultura catarinense, me deparei com o Quilombo Morro do Boi listado como aprovado e regulamentado. Isso me levou a uma reflexão sobre a Iniciação Científica realizada há 14 anos. Para minha surpresa, ao pesquisar no Google, vi que o estudo e o artigo haviam sido amplamente divulgados. Nosso trabalho apareceu em diversos meios, incluindo a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), que atua junto a indígenas e quilombolas para garantir seus direitos territoriais, culturais e políticos. 

https://cpisp.org.br/morro-do-boi/
















É gratificante perceber que uma pequena Iniciação Científica, alicerçada nos relatos orais dos moradores, pôde contribuir significativamente para o entendimento da história dessa comunidade no território. E que esse estudo provavelmente proporcionou elementos que contribuíram para a efetivação da justiça e do direito ao território para essa comunidade quilombola.
Para acessar o texto completo sobre essa experiência, clique aqui.

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