"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Uma reflexão sobre a escolha da árvore de natal! Feliz Natal!

Olá, leitores, e um feliz final de ano de 2025. 

Com as festas de Natal e Ano Novo se aproximando, nossos lares começam a se encher de luzes, decorações e daquele espírito único que marca esta época. Em meio a tudo isso, um símbolo se destaca: a árvore de Natal. Enquanto montamos nossas árvores, seja um pinheiro fresco com seu aroma de floresta ou uma artificial guardada com carinho, já paramos para pensar em sua história ambiental? A escolha que fazemos, aparentemente simples, está no centro de um debate de mais de um século sobre natureza, tecnologia, consumo e nossa relação com o planeta.

Esta reflexão é inspirada por discussões globais sobre o tema, como as encontradas em blogs acadêmicos como o "Völkerrechtsblog", que questionam as tradições natalinas sob uma ótica ambiental. No entanto, para desvendar esta história, vamos nos apoiar fortemente na pesquisa exaustiva do historiador Aaron Thomas. Seu trabalho de doutorado de 2020, "Controlling Christmas: an environmental history of natural and artificial trees", é uma verdadeira expedição aos arquivos da cultura natalina, revelando como a simples árvore se tornou um campo de batalha para as ideias americanas sobre natureza, lar e progresso. Ela nos ajuda a entender o dilema que enfrentamos hoje.

A árvore que chamamos de "real" ou "natural" tem uma trajetória que está longe de ser simples. Aqui vemos um padrão clássico na história ambiental: uma solução para um problema (desmatamento) gera um novo conjunto de complexidades ecológicas (monocultura, uso de pesticidas). Sua evolução revela como nossas ideias sobre a natureza foram moldadas e, por sua vez, como moldamos a própria natureza para atender às nossas expectativas.

No final do século XIX e início do século XX, as árvores de Natal eram cortadas diretamente de florestas selvagens. Essa prática rapidamente gerou um alarme sobre o desmatamento. A preocupação se tornou tão proeminente que deu origem a uma das lendas mais duradouras da Casa Branca: a de que o presidente Theodore Roosevelt, um fervoroso conservacionista, teria banido as árvores de Natal de sua residência para proteger as florestas. Embora a história seja provavelmente apócrifa, ela captura perfeitamente o espírito da época. O movimento conservacionista da Era Progressista estava em pleno andamento, dividido entre preservacionistas como John Muir, que defendiam a proteção da natureza intocada por seu valor intrínseco, e conservacionistas de "uso racional", como Gifford Pinchot, que acreditavam no manejo científico dos recursos naturais para o bem humano. A árvore de Natal estava bem no centro desse debate: era um desperdício sentimental ou um uso legítimo e alegre de um recurso florestal?

A solução para a extração predatória das florestas parecia óbvia: cultivar árvores de Natal em fazendas. Essa ideia ganhou força, e até mesmo o presidente Franklin D. Roosevelt se tornou um produtor de árvores em sua propriedade em Hyde Park. No entanto, o que começou como uma solução conservacionista evoluiu para um processo agrícola altamente industrializado, impulsionado em parte pela crise agrícola dos anos 1980, que levou muitos agricultores tradicionais a cultivar coníferas como um último esforço para permanecer em suas terras, resultando em um mercado saturado.

Aqui reside a ironia central da nossa história: na busca pela "autenticidade" para competir com sua rival de plástico, a indústria da árvore natural tornou seu produto cada vez mais artificial. A dissertação de Thomas revela como a "árvore real" de hoje é, em muitos aspectos, um produto fabricado, moldado por intensa intervenção humana e química.

Para alcançar a forma cônica e densa que os consumidores consideram "perfeita", as árvores são podadas anualmente. Esse processo, que os próprios produtores chamavam de "modelagem artificial", garante que as árvores não cresçam de forma irregular, como fariam na natureza. O ideal de "perfeição" não era apenas hortícola, mas um ideal cultural e de gênero. Festivais realizavam concursos de "Rainha Evergreen" e anúncios da época equiparavam explicitamente a estética de uma mulher "bem-vestida" à de uma árvore "bem-vestida", mostrando que a árvore perfeita era uma construção social.

As fazendas de árvores são, em sua maioria, monoculturas, o que as torna vulneráveis a pragas e ervas daninhas. Consequentemente, a indústria passou a depender fortemente de regimes químicos para proteger a colheita, com preocupações crescentes sobre a contaminação do solo e da água.

Para garantir uma cor verde vibrante e mascarar agulhas amareladas, muitos produtores pulverizam suas árvores com colorantes como o "Greenzit". Um anúncio de 1965 prometia que o produto transformava "árvores descoloridas, mas de resto perfeitas" em árvores "premium". O resultado é que a árvore "natural" que compramos hoje é um produto tão gerenciado e, em certo sentido, "artificial" quanto sua contraparte de plástico. Ela não vem de uma floresta idílica, mas de uma linha de produção agrícola que busca a perfeição estética em detrimento do processo natural.

A história da árvore artificial é igualmente complexa, refletindo as mudanças nas atitudes culturais em relação à conveniência, modernidade e autenticidade. As primeiras árvores artificiais surgiram com um apelo explicitamente conservacionista. Modelos feitos na Alemanha a partir de penas de ganso tingidas de verde foram comercializados como uma forma de "salvar as florestas". Além do apelo ecológico, a segurança era um grande argumento de venda. Numa época em que velas de cera reais eram usadas para iluminar as árvores, o risco de incêndio era uma ameaça constante. A conveniência e a reutilização também eram fatores atraentes para as famílias urbanas.

A árvore artificial atingiu seu auge cultural com o advento da árvore de alumínio nas décadas de 1950 e 1960. Brilhante, metálica e muitas vezes iluminada por uma roda de cores giratória, ela não era apenas um produto, mas o epítome da modernidade da Era Espacial, um símbolo de fé no progresso tecnológico e no otimismo americano. No entanto, seu reinado foi abruptamente interrompido por um ponto de virada cultural improvável. Em 1965, o especial de TV "A Charlie Brown Christmas" foi ao ar. O programa era uma crítica direta à crescente comercialização do feriado, simbolizada no desenho pelas coloridas e brilhantes árvores de alumínio. Em sua busca pelo "verdadeiro significado do Natal", Charlie Brown escolhe uma pequena, esparsa e imperfeita árvore de Natal natural. Ao ser cuidada e amada por seus amigos, a pequena árvore se transforma em um belo símbolo. 

O impacto foi imediato e profundo. A popularidade da árvore de alumínio despencou. O especial de Charlie Brown, como afirma a pesquisa de Thomas, efetivamente "matou" a árvore de alumínio, representando uma profunda reação cultural contra o comercialismo e a fé cega na tecnologia. Ele redefiniu o debate em torno da autenticidade versus a artificialidade e solidificou a imagem da árvore natural (mesmo que imperfeita) como a escolha "correta".

Hoje, o debate se concentra menos na autenticidade e mais no impacto ambiental. A escolha é complexa, influenciada não apenas pela ecologia, mas também por realidades socioeconômicas e culturais. O marketing da árvore "real", por exemplo, frequentemente se dirigia às mulheres como as principais tomadoras de decisão domésticas, apelando ao seu papel como guardiãs da tradição familiar e do ambiente do lar — uma preocupação como a "queda de agulhas para a dona de casa comum" era um ponto chave para a indústria. Ao mesmo tempo, a realidade econômica muitas vezes ditava a escolha, com famílias de baixa renda optando pela árvore artificial como um investimento de longo prazo para economizar dinheiro.

Mas nesta história existem pontos a favor e pontos contras. Por um lado ass fazendas de árvores podem ajudar a prevenir a erosão do solo e fornecer oxigênio. Como cultura, as árvores capturam carbono durante seu crescimento. No final de sua vida útil, a árvore é 100% biodegradável e, se reciclada corretamente, pode ser transformada em adubo ou mulch, devolvendo nutrientes ao solo. mas, por outro lado o modelo de monocultura intensiva é criticado por sua falta de biodiversidade. O uso de pesticidas e herbicidas pode contaminar o solo e os lençóis freáticos. Além disso, há a pegada de carbono associada ao transporte das árvores das fazendas rurais para os centros urbanos, muitas vezes por longas distâncias.

Sobre o uso da árvore artificial a literatura apontou pró e contras. Prós: O principal benefício é a reutilização. Uma árvore artificial pode ser usada por muitos anos, eliminando a necessidade de uma nova compra anual. Contras: A maioria é feita de PVC, um plástico derivado do petróleo, cujo processo de produção consome muita energia e libera poluentes. Muitas contêm chumbo como estabilizador, o que pode representar um risco à saúde. No final de sua vida útil (que pode ser mais curta do que se espera), elas acabam em aterros sanitários, onde levarão séculos para se decompor, se é que algum dia o farão.

Então o nosso natal deve ser reflexivo, a sustentabilidade dependerá de nossas escolhas, de nossa pegada ambiental. Como a história nos mostra, a escolha da árvore de Natal é muito mais complexa do que uma simples preferência entre "real" e "falsa". Este objeto único serve como um microcosmo para as lutas maiores e contínuas da nossa sociedade. O embate entre natureza e artificial, tradição e conveniência, agricultura local e manufatura global. Não há uma resposta única e fácil. Estamos experimentando e errando, aprendendo mas eu acho que fazendo pouco para consertar!

Estudos de ciclo de vida, como o da organização "Dovetail Partners", sugerem que uma árvore natural, especialmente se for de origem local e devidamente reciclada, geralmente tem um impacto ambiental menor. No entanto, uma árvore artificial, se usada por muitos e muitos anos (a recomendação varia, mas geralmente se fala em 10 a 20 anos), pode mitigar significativamente sua pegada de carbono inicial. Mas aí tem a decomposição, a dispersão de nanopartículas de plástico no ambiente, etc...

A escolha, portanto, é pessoal e depende de nossas circunstâncias e valores. Mas a história por trás de cada opção nos convida a uma reflexão mais profunda. Neste Natal, o que nossa árvore dirá sobre os valores que queremos cultivar? Como podemos alinhar nossas tradições mais queridas com o modelo de desenvolvimento sustentável que desejamos para o futuro?

Seja qual for a sua escolha, que ela seja consciente. Desejo a todos um Natal cheio de alegria e um Ano Novo de reflexão e esperança. Boas festas!


REFERÊNCIAS

CHRISTIANSEN, Liv. A Grinch-Like View on Environmentally Unfriendly Christmas Traditions: Christmas as an Accelerator of Climate Change and Plastic Pollution. Völkerrechtsblog, 23 dez. 2021. Disponível em: https://voelkerrechtsblog.org/. DOI: 10.17176/20211223-124035-0.

COX, Anthony. What is the environmental footprint of Christmas? OECD Blog, 24 dez. 2019., Disponível em: https://www.oecd.org/en/blogs/2019/12/what-is-the-environmental-footprint-of-christmas.html?utm_source=chatgpt.com

HAQ, Gary et al. The Carbon Cost of Christmas. Stockholm: Stockholm Environment Institute, 2007. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/263969440_The_Carbon_Cost_of_Christmas?utm_source=chatgpt.com

THOMAS, Aaron. Controlling Christmas: an environmental history of natural and artificial trees. 2020. 575 f. Tese (Doutorado em História dos Estados Unidos) – Mississippi State University, Mississippi, 2020. Disponível em: https://scholarsjunction.msstate.edu/td/1181.

O texto desta postagem passou por revisão e modificações com o uso de IA. A imagem usada na postagem, feita com IA, está postada aqui, clique para acessar.

Nenhum comentário: