"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Uma mini história ambiental: a reforma do canal do Bom Retiro em 1954, Blumenau, SC.

Nos últimos anos, diversas pesquisas de Iniciação Científica (IC) têm analisado a água nas publicações da Blumenau em Cadernos. Uma das primeiras pistas encontradas refere-se ao papel da água na gestão dos recursos hídricos. Neste contexto, o texto Problemas da Administração Municipal: o canal do Bom Retiro, publicado na Blumenau em Cadernos, tomo 1 de 1957 (p. 19), oferece informações interessantes produzidas no contexto histórico da cidade em 1954, e que ajudam a entender algumas coisas a partir do olhar histórico ambiental, especialmente no que diz respeito à gestão da água e ao impacto das intervenções humanas.

A análise do texto sobre o canal Bom Retiro, expresso nas palavras do ex-prefeito J. Ferreira da Silva, revela uma série de interações que abordando  questões técnicas sobre a canalização e o estado do canal, assim como abre um espaço para uma análise aprofundada dentro da perspectiva da História Ambiental.

A canalização do ribeirão Bom Retiro, realizada em parte com bueiros de concreto e tubos de zinco "Armco", exemplifica como as intervenções humanas buscam controlar a natureza para atender necessidades urbanas, como a drenagem e a prevenção de inundações. Essa transformação do ambiente natural em um espaço urbanizado não só modifica a paisagem, mas também reflete uma visão utilitarista da água como um recurso a ser gerenciado. A obra, embora tenha contribuído para o embelezamento do centro urbano, revela uma dualidade: a busca pelo progresso urbano em detrimento de um entendimento mais profundo sobre a dinâmica ecológica da região.

O relato sobre as falhas no bueiro de cimento ilustra os conflitos que surgem com a manipulação do ambiente. A preocupação do ex-prefeito com a segurança da canalização destaca os riscos associados a intervenções mal planejadas. A cedência do bueiro devido à pressão do aterro é um exemplo claro de como a falta de atenção a fatores naturais pode resultar em consequências imprevistas. Isso levanta questões sobre a resiliência das infraestruturas urbanas frente a eventos climáticos e pressões ambientais, revelando a fragilidade das soluções tradicionais de engenharia, principalmente quando olhamos os efeitos das mudanças climáticas nos dias atuais. Será que as cidades estão preparadas?

Naquele momento, a proposta de desviar o curso do ribeirão Bom Retiro para o ribeirão Garcia refletiu uma busca por soluções mais adequadas e sustentáveis na gestão hídrica. Mas ao mesmo tempo isso acarretaria impactos nos processos ecológicos daquele ambiente. O texto também enfatiza a importância de registrar a história local, incluindo os desafios enfrentados ao longo do tempo. A narrativa do ex-prefeito traz à tona a memória coletiva das intervenções na água, as preocupações dos primeiros imigrantes e a evolução da cidade. Esta memória é essencial para compreender as interações passadas entre as comunidades e seu ambiente, ajudando a moldar as práticas contemporâneas de gestão hídrica.

Embora o texto não mencione diretamente as mudanças climáticas, as preocupações sobre cheias e a segurança da canalização refletem um contexto mais amplo de vulnerabilidade a eventos climáticos extremos. Essas referências nos convidam a refletir sobre como as comunidades se adaptam e respondem a tais mudanças ao longo do tempo. Em um cenário de incertezas climáticas, a resiliência das infraestruturas e a capacidade de adaptação das comunidades tornam-se cruciais.

A menção a reuniões com autoridades, como o governador, destaca a interseção entre política, sociedade e meio ambiente. As decisões sobre a gestão da água envolvem negociações complexas entre diversos interesses e stakeholders, mostrando como as vozes comunitárias e as preocupações locais devem ser integradas nos processos de tomada de decisão. A urgência expressa pelo ex-prefeito em agir rapidamente ressalta a necessidade de uma governança participativa e responsável.

Com isso podemos ver que as preocupações de Ferreira da Silva sobre o canal Bom Retiro revelam uma rica tapeçaria de interações sociedade natureza em Blumenau. Os desafios da gestão hídrica, as intervenções humanas e a importância da memória histórica foram elementos cruciais para entender como a cidade se relaciona com seu ambiente. Ao refletirmos sobre esses aspectos, podemos cultivar uma abordagem mais sustentável e consciente em relação à água, um recurso vital que conecta as experiências passadas às práticas futuras. A gestão da água, portanto, deve ser vista não apenas como uma questão técnica, mas como um componente integral da identidade cultural e da história de Blumenau.

O original analisado pode ser acessado na revista Blumenau em Cadernos, clique aqui.

Para saber mais esse tema já foi abordado nas seguintes postagens:

Apontamentos sobre o ciclo hidrossocial no Antigo Egito







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