Vamos realizar uma leitura e resenha do estudo Historia ambiental de América Latina: origen, principales interrogantes y lagunas, de Lize Sedrez, disponível no link. O texto integra o volume Repensando la naturaleza: encuentros y desencuentros disciplinarios en torno a lo ambiental, organizado por Germán Palacio e Astrid Ulloa. Publicado em 2002 pela Universidad Nacional de Colombia, Instituto Amazónico de Investigaciones Imani e Instituto Colciencia, o texto oferece uma análise crítica do desenvolvimento da História Ambiental na América Latina, abordando suas origens, principais questões e as lacunas que ainda precisam ser exploradas.
Este texto de Sedrez é fundamental para entender essa linha de produção de conhecimento, a História Ambiental, abordando as origens, os principais questionamentos e as lacunas dessa disciplina na América Latina. Sedrez propõe uma reflexão sobre como essa disciplina pode ampliar a compreensão das interações entre sociedade e meio ambiente na região, destacando a importância de uma abordagem interdisciplinar que dialogue com outras áreas do conhecimento.
No início do artigo, Lize Sedrez compartilha a experiência da autora como editora de uma bibliografia sobre a história ambiental da América Latina, iniciada como um projeto de verão na Universidade de Stanford em 1999. Inicialmente supervisionado por John Wirth e José Augusto Drummond, o projeto expandiu-se, envolvendo uma equipe de pesquisadores de diversas universidades americanas. A bibliografia, que inclui textos clássicos de historiografia latino-americana e produções acadêmicas de diferentes áreas, busca compreender como as sociedades humanas se relacionaram com o ambiente ao longo do tempo.
A autora destaca que, apesar da rica historiografia ambiental na América Latina, ela ainda é fragmentada e multidisciplinar, sem ser verdadeiramente interdisciplinar. Muitos historiadores latino-americanos, mesmo sem se definirem como "historiadores ambientais", consideram o ambiente em suas análises sociais. Exemplos notáveis incluem Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, cujas obras abordam a interação entre a natureza e as sociedades humanas no Brasil.
A história ambiental na América Latina se consolidou mais recentemente, a partir dos anos 1980, com a contribuição pioneira de Nicolo Gligo. Desde então, a disciplina vem se desenvolvendo em torno de questões como as transformações ambientais e o impacto das atividades humanas, mostrando-se um campo aberto e interdisciplinar que dialoga com áreas como a geografia histórica. A autora conclui que a história ambiental latino-americana oferece um campo em desenvolvimento nos estudos das relações entre sociedade e natureza, preservando seu caráter exploratório e atraindo pesquisadores de diversas disciplinas, como história agrária e história intelectual.
Na segunda parte do artigo, El encuentro del nuevo y del viejo mundo, Lise Sedrez aborda o impacto da natureza do Novo Mundo sobre o pensamento europeu e as consequências ambientais do encontro entre os mundos europeu e americano, discutindo o desenvolvimento da história ambiental como disciplina. As primeiras análises desse impacto datam da década de 1930, com Antonio Gerbi, mas foi o clássico trabalho de Alfred Crosby, The Columbian Exchange, que introduziu questões inovadoras sobre as trocas biológicas e culturais após a chegada dos europeus às Américas. Crosby e Elinor Melville, com seu estudo Plague of Sheep, exploraram as transformações ambientais resultantes desse encontro, enfatizando tanto as intenções dos colonizadores quanto os efeitos não previstos, como a devastação de paisagens pelo pastoreio de ruminantes europeus.
Enquanto Crosby abrange o continente de maneira geral, Melville foca em uma perspectiva regional, mas ambos não ignoram as complexas relações de poder entre europeus e populações locais. Outros estudos, como o de Nancy Farris sobre a reorganização do sistema ambiental pelos maias no século XVI, e as pesquisas de Brailovsky e Foguelman sobre a Argentina e o Chile, avançaram nas análises de impactos ambientais regionais, embora ainda haja lacunas, especialmente em áreas como os Andes.
Além disso, a história ambiental se beneficia das contribuições da história da ciência, com estudos sobre os naturalistas europeus como Von Martius, Humboldt e Darwin, que influenciaram a percepção europeia da natureza americana. Pesquisadores como Cañizares Esguerra e Richard Grove destacam como o Novo Mundo foi fundamental para o desenvolvimento da ciência ocidental e das ideias conservacionistas. Apesar disso, a produção sobre naturalistas latino-americanos é escassa, mesmo com a abundância de fontes, como os relatos de jesuítas sobre a natureza do Novo Mundo, que ainda aguardam análise sob a perspectiva da história ambiental.
Na terceira parte do artigo, Medio ambiente y frontera Lise Sedrez explora a relação entre meio ambiente e fronteira na América Latina, com foco nos estudos sobre o desmatamento das florestas tropicais, especialmente a Amazônia. Na década de 1980, a preocupação com a degradação dos ecossistemas florestais estimulou pesquisas pioneiras como as de Warren Dean, que investigou a destruição da Mata Atlântica e o impacto da extração de borracha no Brasil. As fronteiras também representam locais de conflito entre colonos e povos indígenas, embora a historiografia tenha se concentrado mais em confrontos documentados do que em estudos colaborativos com a antropologia. A inclusão de comunidades como quilombolas e seringueiros poderia expandir a compreensão das dinâmicas de fronteira, oferecendo novas perspectivas sobre etnicidade e meio ambiente, tema ainda subexplorado na América Latina.
Outro tema relevante é a relação entre políticas agrárias e direitos de propriedade, área normalmente estudada por economistas. Modelos universais de propriedade podem obscurecer as particularidades ambientais regionais, como os solos pobres da Amazônia e os vales férteis do Chile, que geram formas distintas de organização agrária. A história ambiental, ao destacar as especificidades dos recursos naturais e sua integração ao ambiente, contribui para debates sobre propriedade e desenvolvimento econômico, como demonstrado por Shawn Miller. Segundo Miller, a posse da terra durante o período colonial não incluía necessariamente o controle sobre recursos valiosos como madeiras e minerais, que pertenciam à Coroa, incentivando a exploração predatória.
O impacto ambiental da mineração, especialmente no Brasil, é outra fronteira ainda pouco investigada. Embora haja estudos sobre a exploração de ouro e diamantes durante o período colonial, as consequências ambientais dessas atividades, como a contaminação por mercúrio e os conflitos por água, permanecem subexploradas. A análise das tecnologias de mineração e seus efeitos em diferentes regiões é crucial para preencher essas lacunas historiográficas e aprofundar a compreensão das transformações ambientais nas áreas de fronteira.
Na última parte do texto Historia del ambientalismo, a autora aborda a história do movimento ambientalista na América Latina, ressaltando uma colaboração frutífera, mas irregular, entre historiadores, cientistas sociais e antropólogos. Muitos autores são também ativistas, o que, embora facilite o acesso a documentos e testemunhos valiosos, pode levar a uma visão simplista do movimento. Essa visão muitas vezes segue um enredo previsível: de uma natureza prístina e intocada para um desastre causado pela colonização ou industrialização, até chegar à esperança de redenção pelo ambientalismo. Os melhores textos evitam essa narrativa e exploram os conflitos, as contradições e as interações entre ambientalistas, governos e outros movimentos sociais, além de discutir as redes de ONGs e a relação entre contextos locais e internacionais.
Há uma crescente produção de trabalhos focados em experiências nacionais, mas ainda faltam estudos sobre questões ambientais transfronteiriças ou que explorem bioregionalismo. O livro de Guillermo Castro, que trata das interações entre natureza e sociedade na América Latina, é uma exceção notável ao tratar dessas interconexões. Ainda há grandes lacunas, especialmente no que diz respeito ao manejo de recursos hídricos e ambientes costeiros, temas praticamente ignorados pelos historiadores ambientais.
A poluição e a industrialização, apesar de serem áreas com forte impacto ambiental, também recebem pouca atenção dos historiadores. As questões urbanas, ainda que fundamentais considerando que 80% da população latino-americana vive em cidades, são outro campo subexplorado na história ambiental, embora geógrafos históricos tenham começado a abordar o tema. As interseções entre ambiente e questões de gênero, classe e etnia também carecem de maior desenvolvimento.
A produção teórica sobre história ambiental na América Latina é limitada, embora trabalhos como os de Alberto G. Flórez Malagón e Germán Palacio, que buscam definir a disciplina a partir de uma perspectiva latino-americana, sejam esforços bem-vindos. O otimismo de Warren Dean, que vislumbrava o uso de dados ambientais coletados por cientistas por historiadores, ainda não se concretizou plenamente, mas há potencial para avanços significativos. Apesar do progresso recente, a história ambiental latino-americana ainda tem muito a desenvolver, precisando encontrar seus próprios temas e definições, além de fortalecer suas bases acadêmicas e editoriais para consolidar-se como um campo de pesquisa robusto.
Em conclusão, a obra de Lize Sedrez, “Historia ambiental de América Latina: origen, principales interrogantes y lagunas”, se revela uma contribuição importante para a construção de um entendimento mais profundo das sobre os estudos das interações entre sociedade e meio ambiente na América Latina. A autora não apenas elenca os desafios enfrentados pelos historiadores na pesquisa sobre história ambiental, mas também propõe um diálogo enriquecedor entre disciplinas, ampliando as possibilidades interpretativas do campo. Ao abordar questões como fronteiras, impacto ambiental e a trajetória do movimento ambientalista, Sedrez instiga uma reflexão crítica e convida novos pesquisadores a explorar as complexidades dessa inter-relação. Sua análise serve como um chamado à ação para a integração de abordagens interdisciplinares e à identificação de lacunas ainda existentes na historiografia, consolidando a História Ambiental como uma área essencial para a compreensão das dinâmicas sociais e ecológicas contemporâneas.
Referência:
SEDREZ, Lise. Historia Ambiental de América Latina: orígenes, principales interrogantes e lacunas. In: Germán Palacio; Astrid Ulloa. (Org.). Repensando la naturaleza: encuentros y desencuentros disciplinarios en torno a lo ambiental. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia/Instituto Amazónico de Investigaciones Imani/Instituto Colciencia, p. 99-112, 2002.
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