"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

segunda-feira, 28 de abril de 2025

O spectro do capitalismo assola um Parque Nacional

Mais uma vez, empresas, políticos e o projeto que ameaça a proteção da Serra do Itajaí!

Desde 2022 o Parque Nacional da Serra do Itajaí, após uma associação de interesses empresariais e políticos, vendo sendo ameaçado, e com isso toda uma comunidade do seu entorno, através do Projeto de Lei 1797/2022, proposto pelo deputado federal Darci de Matos (PSD-SC), que visa reclassificar o parque como Floresta Nacional, alterando seu status de proteção integral para uso sustentável. Dentro do grau de conservação, é uma regressão de nível, abrandando a exploração da região. Essa mudança, se fosse realizada permitiria atividades econômicas dentro da área, como exploração madeireira e agricultura, desde que compatíveis com o manejo e a conservação.


Essa ideia maluca, que por de trás obviamente possui algum interesse econômico, ao desenrolar da proposta legislativa, tem gerado preocupação entre ambientalistas e organizações da sociedade civil. Pois quando um parque é criado são os estudos preliminares que indicam a categoria, e a que melhor se adéqua a qualidade ambiental da região é o de PARNA. O parque abriga cerca de 57 mil hectares de Mata Atlântica, distribuídos por nove municípios do Vale do Itajaí, e é lar de diversas espécies ameaçadas. Além disso, a área é crucial para a proteção de nascentes que abastecem a região, e desde a sua criação as atividade de exploração extrativistas diminuíram drasticamente fazendo surgir empreendimentos voltados para o turismo da conservação e sustentabilidade. A mudança de categoria afetaria diversos negócios que vivem pela existência do Parque Nacional, devido a qualidade ambiental e de uso público existentes nesta categoria. Ou seja, o tipo de parque, se é de proteção integral ou sustentável, é realizado por cientistas, geralmente sem vínculos com o mercado, e que classificam o território a ser conservado.

Parece haver um falta de informação e má índole na proposta, e de quem defende esse rebaixamento de categoria do parque, ou qualquer outra ação contrária a ele. A mudança de categoria não resolveria os conflitos fundiários existentes, pois, mesmo como Floresta Nacional, as terras continuariam sendo de domínio público federal e sujeitas à desapropriação. E as empresas de reflorestamento do entorno, teriam que se enquadrar, o que não é difícil, e com isso teriam a liberdade de explorar. E ainda toda uma legislação de ordenamento do uso do solo e do recursos punitiva continuaria valendo. ​

Em uma Floresta Nacional, o manejo florestal sustentável é permitido — isso significa que empresas podem explorar madeira, inclusive em regime de concessão. Muitas vezes, isso se traduz na implantação de monoculturas de pinus ou eucalipto, que empobrecem a biodiversidade, alteram o solo, os cursos d’água e favorecem incêndios florestais. Enquanto Parques Nacionais exigem a desapropriação e domínio público da terra, as Florestas Nacionais permitem propriedades particulares em seu interior. Isso abre brechas para conflitos fundiários, pressões por infraestrutura (como estradas e barragens) e uso intensivo do solo com fins comerciais.

Parques têm como finalidade principal a preservação integral da natureza, com visitação apenas para fins educativos, científicos e recreativos controlados. Florestas Nacionais, por outro lado, têm foco em uso múltiplo e sustentável dos recursos florestais, o que pode colocar em risco espécies endêmicas ou ameaçadas.

A reclassificação pode atender interesses de setores como o de silvicultura e agronegócio, que têm atuação política ativa e lobbies no Congresso Nacional. No caso do Parque Nacional da Serra do Itajaí, há indícios de pressão de empresas de reflorestamento e envolvimento de parlamentares que já apresentaram outros projetos contrários à preservação ambiental. Com o uso econômico, ocorre abertura de vias, circulação de veículos pesados, introdução de espécies exóticas, tudo isso fragmenta habitats, afeta corredores ecológicos e rompe o equilíbrio entre sociedade e natureza que essas áreas protegem.

As populações do entorno do Parque Nacional da Serra do Itajaí, que no passado dependiam da exploração direta dos recursos naturais, passaram por um processo de transformação desde a criação da unidade de conservação em 2004. Em municípios como Blumenau, Gaspar, Ascurra, Indaial e Botuverá, por exemplo, observa-se uma redução significativa dessas práticas e o surgimento de novas iniciativas ligadas ao ecoturismo e a atividades sustentáveis. Esses empreendimentos têm contribuído para a diversificação e o fortalecimento da economia local, alinhando conservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico.

No entanto, todo esse avanço está sob ameaça com a proposta de reclassificação do parque. A pressão para modificar seus limites e até mesmo questionar sua existência não é recente — trata-se de uma demanda histórica de setores empresariais, especialmente ligados à indústria madeireira e ao agronegócio. Diante disso, cabe uma pergunta incômoda, mas necessária: estariam alguns políticos sendo comprados? A insistência em desmantelar uma conquista ambiental e social tão relevante parece indicar que a lógica do lobby está sobrepondo o interesse público. Muitos parlamentares demonstram maior compromisso com sua permanência no poder e com os interesses do capital do que com a preservação ambiental ou o bem-estar das populações locais. Isso fica evidente quando suas falas e ações defendem majoritariamente os interesses de setores econômicos que historicamente pressionam pela flexibilização das leis ambientais.

Infelizmente, a proposta já tramitou na Câmara dos Deputados e, embora esteja temporariamente paralisada — em uma espécie de "banho-maria" legislativo —, ainda pode ser retomada a qualquer momento. Isso porque permanecem ativos os interesses daqueles que controlam a política e almejam também controlar o território. A proposta deverá ser analisada pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e de Constituição e Justiça e de Cidadania, o que reforça a necessidade de vigilância e mobilização social diante da possibilidade de retrocessos. Leia o posicionamento do relator, clique aqui!

Últimas notícias: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2330599#tramitacoes

04/04/2025

Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável ( CMADS )Designado Relator, Dep. Delegado Matheus Laiola (UNIÃO-PR).
07/04/2025

Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável ( CMADS )Prazo para Emendas ao Projeto (5 sessões a partir de 08/04/2025)
15/04/2025

Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável ( CMADS )Encerrado o prazo de 5 sessões para apresentação de emendas ao projeto (de 07/04/2025 a 15/04/2025). Não foram apresentadas emendas.

Fonte:

APREMAVI. Comitê do Itajaí publica moção contrária à mudança de categoria do PNSI. Apremavi, 2023. Disponível em: https://apremavi.org.br/comite-do-itajai-publica-mocao-contraria-a-mudanca-de-categoria-do-pnsi/. Acesso em: 17 abr. 2025.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta transforma parque em Santa Catarina em floresta nacional. Câmara Notícias, 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/898497-proposta-transforma-parque-em-santa-catarina-em-floresta-nacional/. Acesso em: 17 abr. 2025.

JORNAL DO MÉDIO VALE. Projeto quer transformar Parque Nacional da Serra do Itajaí em Floresta Nacional. Jornal do Médio Vale, 2023. Disponível em: https://jornaldomediovale.com.br/geral/projeto_quer_transformar_parque_nacional_da_serra_do_itajai_em_floresta_nacional-103694/. Acesso em: 17 abr. 2025.

MOURA, Caroline. Projeto rebaixa categoria de proteção do Parque Nacional da Serra do Itajaí. AMDA – Associação Mineira de Defesa do Ambiente, 2022. Disponível em: https://amda.org.br/noticias/6569-projeto-rebaixa-categoria-de-protecao-do-parque-nacional-da-serra-do-itajai/. Acesso em: 17 abr. 2025.


Outras fontes que tratam sobre o tema:

PROJETO DE LEI N.º 1.797, DE 2022

https://www.camara.leg.br/noticias/898497-PROPOSTA-TRANSFORMA-PARQUE-EM-SANTA-CATARINA-EM-FLORESTA-NACIONAL?utm_source=chatgpt.com

https://amda.org.br/noticias/6569-projeto-rebaixa-categoria-de-protecao-do-parque-nacional-da-serra-do-itajai/?utm_source=chatgpt.com

https://apremavi.org.br/comite-do-itajai-publica-mocao-contraria-a-mudanca-de-categoria-do-pnsi/?utm_source=chatgpt.com

https://jornaldomediovale.com.br/geral/projeto_quer_transformar_parque_nacional_da_serra_do_itajai_em_floresta_nacional-103694/?utm_source=chatgpt.com

https://amda.org.br/noticias/6569-projeto-rebaixa-categoria-de-protecao-do-parque-nacional-da-serra-do-itajai/

https://www.camara.leg.br/noticias/898497-PROPOSTA-TRANSFORMA-PARQUE-EM-SANTA-CATARINA-EM-FLORESTA-NACIONAL

https://apremavi.org.br/comite-do-itajai-publica-mocao-contraria-a-mudanca-de-categoria-do-pnsi/


https://oeco.org.br/reportagens/politicos-de-sc-se-unem-para-reduzir-protecao-do-parque-nacional-da-serra-do-itajai/

https://jornalfolhalitoral.com.br/unidade-de-conservacao-moradores-defendem-nova-categoria-para-o-parque-nacional-da-serra-do-itajai/

https://omunicipio.com.br/audiencia-publica-discute-mudanca-de-categoria-do-parque-nacional-da-serra-do-itajai/

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Trabalho, natureza e História

Na História Ambiental, buscamos compreender como as sociedades humanas se relacionam com o meio natural ao longo do tempo. Essa abordagem interdisciplinar parte do princípio de que a natureza não é apenas um pano de fundo passivo para a ação humana, mas um agente ativo que influencia e é influenciado pelos processos sociais, econômicos e culturais. Nesse sentido, as ideias de Karl Marx oferecem importantes contribuições teóricas para pensarmos a dimensão histórica da relação entre sociedade e natureza.

Para Marx, a natureza não é separada da humanidade. Pelo contrário, ela é o fundamento material da existência humana — fonte dos meios de subsistência, dos objetos do trabalho e da própria possibilidade de produção histórica. A relação entre seres humanos e natureza é, portanto, mediada pelo trabalho. É através dele que o ser humano transforma a natureza externa para satisfazer suas necessidades, ao mesmo tempo em que se transforma a si mesmo. Trata-se de um intercâmbio material contínuo, no qual o ser humano regula e reorganiza seu entorno natural.

Marx concebe essa relação como uma unidade dialética: somos parte da natureza, e nossa ação sobre ela — moldada historicamente — é tanto um processo produtivo quanto formativo. A História da humanidade é, também, a história da transformação da natureza. Essa transformação, contudo, varia conforme os modos de produção historicamente determinados.

No sistema capitalista, segundo Marx, essa relação se torna alienada. O trabalhador é separado dos meios de produção — que incluem a terra, os recursos naturais e os frutos de seu próprio trabalho —, provocando uma ruptura profunda na relação entre sociedade e natureza. O capitalismo, orientado pela lógica do lucro, impulsiona uma exploração intensiva e destrutiva tanto do trabalho humano quanto do meio natural.

Essa análise é especialmente relevante para a História Ambiental, pois nos permite entender como as formas de organização econômica e social impactam ecossistemas, paisagens e ciclos naturais. Além disso, aponta para a possibilidade de outras formas de relação — mais racionais e sustentáveis — com o mundo natural. Em sua visão de uma sociedade comunista, Marx projeta uma superação da alienação, onde a humanidade poderia estabelecer uma relação consciente e planejada com a natureza, pautada pelas necessidades humanas e não pela acumulação de capital.

Assim, o pensamento marxista nos oferece instrumentos teóricos valiosos para refletir criticamente sobre as crises ambientais contemporâneas, suas raízes históricas e os caminhos possíveis para um futuro mais equilibrado entre humanidade e natureza.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Colonização alemã no Vale do Itajaí: uma análise ambiental a partir de um trecho da obra Colonização e Industria no Vale do Itajaí


A colonização alemã no século XIX em Santa Catarina não foi apenas um fenômeno social ou econômico, mas também um processo intensamente entrelaçado com o ambiente. Utilizando as três dimensões da história ambiental propostas por Donald Worster — a natureza em si, as interações humanas com o meio e as ideias que orientam essas interações —, podemos desvendar como esse capítulo histórico moldou e foi moldado pelo ecossistema local. Estamos aqui analisando um trecho do livro Colonização e Industria no Vale do Itajaí da historiadora Maria Luiza Renaux, situado entre a página 24 e 38, momento que a autora analisa a colonização alemã.
O território catarinense apresentava desafios e oportunidades únicos para os imigrantes alemães. O relevo acidentado do Vale do Itajaí, com suas serras íngremes e vales fluviais, determinou onde e como as colônias se estabeleceram. As florestas tropicais densas, embora ricas em madeira, exigiam técnicas como a derrubada e queima (roça ou capoeira) para abertura de áreas cultiváveis. Essa prática, herdada dos indígenas e adotada pelos colonos, teve consequências ambientais: o solo, já frágil em encostas, empobrecia rapidamente, levando ao declínio das colheitas e à necessidade de migração para novas terras.



A escolha estratégica de núcleos como Blumenau e Joinville também refletia a dependência dos rios Itajaí-Açu e Itajaí-Mirim para navegação e escoamento da produção, evidenciando como a geografia fluvial moldou a logística econômica. Enquanto Blumenau prosperou graças à vasta hinterlândia planáltica, Brusque enfrentou limitações devido ao relevo estreito e íngreme, dificultando sua expansão.

Os imigrantes alemães trouxeram consigo práticas agrícolas adaptadas à pequena propriedade, contrastando com o latifúndio monocultor do Brasil colonial. Cultivavam policultura (milho, feijão, mandioca) e introduziram sementes selecionadas e gado de raça europeia, graças a iniciativas como o Kulturverein (Sociedade Cultural), que promovia técnicas racionais.

No entanto, a pressão por terras férteis levou ao desmatamento acelerado. A transição para a industrialização (têxteis, cervejarias, metalurgia) a partir de 1860 foi uma resposta à exaustão do solo e à necessidade de diversificação econômica. A infraestrutura — como a estrada de ferro iniciada em 1907 — facilitou o acesso a mercados, mas também consolidou a exploração de recursos naturais, como a madeira e o calcário.

O cooperativismo emergiu como solução às adversidades: mutirões (Bittarbeit) para derrubar matas, construção de engenhos comunitários e sociedades de crédito rural. Essas práticas refletiam uma adaptação pragmática ao isolamento e à escassez de serviços estatais.

A colonização alemã foi impulsionada por políticas imperiais que visavam substituir a mão de obra escrava por imigrantes europeus "livres e laboriosos". Leis como a Lei de Terras de 1850 regulamentaram a ocupação de terras devolutas, privilegiando pequenos proprietários. Os valores dos colonos — ética protestante, moderação e autossuficiência — influenciaram sua relação com a natureza. Enxergavam a floresta como um obstáculo a ser dominado, mas também como recurso a ser gerido com parcimônia. Essa mentalidade, aliada ao espírito comunitário trazido dos pequenos Estados germânicos, permitiu a criação de estruturas sociais coesas, mesmo em meio ao ambiente hostil.

Porém, a visão utilitarista do ambiente prevaleceu. A natureza era um meio para o progresso, seja na agricultura, seja na indústria. A industrialização de Blumenau, por exemplo, dependeu da exploração intensiva dos rios para energia e transporte, consolidando uma economia que priorizava o crescimento sobre a sustentabilidade. A colonização alemã em Santa Catarina deixou marcas profundas. De um lado, trouxe inovações agrícolas, cooperativismo e uma base industrial que impulsionou a região. De outro, acelerou a degradação de ecossistemas, com desmatamento, erosão do solo e fragmentação de habitats.

A análise pelas lentes de Worster revela que o "sucesso" econômico das colônias teve um custo ambiental — um paradoxo comum em processos colonizadores. Hoje, enquanto cidades como Blumenau celebram sua herança germânica, é crucial refletir sobre como equilibrar desenvolvimento e preservação, aprendendo com os erros e acertos do passado.


quarta-feira, 2 de abril de 2025

🚨 CHAMADA URGENTE – Seleção de Estudante para Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC-CNPq)


O Grupo de Pesquisa em História Ambiental do Vale do Itajaí (GPHAVI) torna pública a abertura de vaga de substituição para bolsa de Iniciação Científica vinculada ao PIBIC/CNPq.

📝 Tema da pesquisa:

História ambiental da agropecuária no Vale do Itajaí (SC) nos séculos XVIII e XIX

O projeto investiga as relações entre sociedade e natureza a partir da trajetória da agropecuária no contexto histórico regional, com foco em transformações ambientais, práticas produtivas e modos de vida rurais. A pesquisa é desenvolvida por dois bolsistas e a vaga disponibilizada é de substituição (6 meses, bolsa de R$700,00/mês).


👤 Requisitos para candidatura:
  • Estar regularmente matriculado(a) em curso de graduação;
  • Não ser beneficiário(a) de Universidade Gratuita (incluindo bolsas do Art. 170 ou 171);
  • Possuir média geral igual ou superior a 7,0;
  • Ter disponibilidade de 20 horas semanais para dedicação às atividades da bolsa (em regime remoto ou semi-presencial);
  • Demonstrar interesse em pesquisa acadêmica nas áreas de História Ambiental, Ciências Humanas ou afins.

📅 Início imediato!

📩 Como se candidatar:

Os(as) estudantes interessados(as) devem entrar em contato com o Prof. Gilberto através do e-mail:
frieden@furb.br

Maiores informações, confira antigas postagens sobre a pesquisa: