Olá, amantes da história e do meio ambiente! Hoje, vamos mergulhar em um texto fascinante, parte da obra Im Kamp und Urwald Südbrasiliens: Ein Skizzenbuch zur Siedlungs- und Deutschtumskunde, de Hugo Grothe, especificamente a última parte de um subcapítulo, traduzida por Sonia Maria Wittmann e publicada como No Campo e na Mata Virgem do Sul do Brasil na revista Blumenau em Cadernos (tomo 51, n. 4, p. 1-128, jul./ago. 2010). Este relato nos transporta para 1936, acompanhando a viagem de Grothe e seu filho Olaf pelas terras catarinenses. Mas não vamos apenas recontar a história. A partir da abordagem da História Ambiental, tendo como ponto de partida Donald Worster, José Augusto Pádua e John McNeill, vamos entender como o ambiente moldou (e foi moldado por) a experiência dos colonos alemães no sul do Brasil.
A narrativa de Grothe é rica em detalhes e oferece um panorama da vida, das lutas e das aspirações dos colonos alemães da época. Começa descrevendo sua chegada à colônia menonita de Witmarsum, no alto Krauel, onde alemães-russos se estabeleceram. Ele nota a paisagem montanhosa e os riachos como o ribeirão Alto Krauel, e a "confusão de tocos de árvores nos campos", indicando a proximidade da colonização menonita. A recepção é calorosa, com os moradores exibindo "verdadeira alegria de uma visita da terra alemã". Ele testemunha a organização comunitária, com um moinho já instalado e o transporte de derivados de leite para Hammonia e Blumenau apenas dois anos e meio após o início dos trabalhos. A disciplina e a perseverança são notáveis, e a comunidade demonstra grande preocupação com a educação, com dois grandes prédios escolares. Ao final de sua fala, um "viva para a antiga Pátria alemã" é entoado com profundo sentimento.
Apesar dos esforços, Grothe também percebe "luzes bem turvas" no quadro cultural dos descendentes de alemães em Santa Catarina. Ele visita uma escola rústica perto de Timbó, onde 40 crianças de imigrantes pomeranos aprendem com um colono que atua como professor por "amor à causa". Grothe se impressiona com o "grande número de crianças dos colonos alemães" (muitas famílias com 15, 16, 17 ou 18 filhos), o que ele considera uma "força vital extraordinária" e uma ajuda valiosa no trabalho rural. Contudo, a carência de material de leitura em alemão é evidente, limitando-se a Bíblias, livros de canto, almanaques e, ocasionalmente, um jornal local. A situação se agrava quando ele percebe que as crianças não conhecem contos de fadas alemães como "Joãozinho e Maria" ou "Chapeuzinho Vermelho", evidenciando a "total submersão da cultura alemã entre a terceira geração de imigrantes". Ele aponta a necessidade de um "imenso trabalho de ressurreição intelectual e psíquico", mencionando o "Lesepatenwerkes", uma iniciativa do "Terceiro Reich" de envio de material pedagógico para alemães no exterior.
A jornada de Grothe segue o rio Itajaí-Açu até Itajaí, um porto histórico para a colonização alemã. A região, com extensas plantações e pastagens, demonstra a transformação da paisagem ao longo do rio. Itajaí é apresentada como uma cidade abastada e um importante porto de transbordo, escoando produtos como milho, arroz, feijão, e madeira de seu "Hinterland" (Blumenau, Brusque, Rio do Sul, Taió). A navegabilidade limitada da barra do rio (apenas navios de até 3,7m de calado) mostra um desafio natural à expansão do comércio. Grothe observa o "caráter alemão de Itajaí", apesar da dispersão da população, e destaca figuras importantes de origem alemã que atuaram na política local e nacional.
Nos meses quentes, colonos de Blumenau buscam o litoral. Cabeçudas e Camboriú são os balneários preferidos, descritos como aglomerações de casas de madeira e cabanas de pescadores, com areia macia e recifes de granito. Grothe relata a presença de "feridas de aclimatação" em crianças e mulheres, erupções cutâneas que duram meses, atribuídas a picadas de moscas venenosas pela população local e sem tratamento eficaz conhecido pelos médicos, sendo a limpeza o único alívio. Este é um indicador claro dos desafios de adaptação humana ao novo ambiente ecológico.
A viagem é marcada por dificuldades, como a ineficácia dos serviços telegráficos, que levam à perda de passagens e redução drástica de recursos. A jornada de Grothe culmina com um voo de Joinville, cidade que ele admira pela forte presença de nomes alemães em placas comerciais e arquitetura que "lembram a pátria". Ele destaca a vibrante vida comunitária alemã, com clubes, bombeiros voluntários, hospital alemão e diversas sociedades, além do "Kolonie-Zeitung", considerado o jornal brasileiro mais antigo. Joinville e Blumenau são descritas como rivais na busca por ser o modelo de trabalho e formação alemã em Santa Catarina.
Ao analisar com a História Ambiental este trecho de Grothe, percebemos que suas observações, embora centradas na cultura e na colonização alemã, revelam muito sobre a interação humana com a natureza. Primeiro, ele não apenas descreve o ambiente, mas mostra como ele é um "cenário ativo da colonização". A "mata virgem" impõe desafios e oferece recursos, moldando os trajetos e as possibilidades dos colonos. A presença de tocos de árvores nos campos e a adaptação a solos pedregosos em Witmarsum ilustram um ambiente que está sendo transformado pela ação humana, mas que também resiste e impõe limites. A própria ideia de "avançar logo mato adentro" revela uma relação de constante desafio e superação com a floresta.
Segundo, a vida nas colônias alemãs e descrita intrinsecamente ligada à agricultura familiar, à criação de gado leiteiro e ao uso coletivo de infraestrutura como o moinho. O trabalho é intensivo, com crianças e famílias integradas precocemente à produção rural, cuidando de porcos e trabalhando no campo. Isso aponta para uma economia camponesa de subsistência, com tentativas de inserção mercantil através da venda de derivados de leite.
Terceiro, a narrativa projeta uma visão idealizada do "espírito alemão", enfatizando a perseverança e o trabalho. A natureza, neste contexto, é vista como um espaço a ser civilizado, domado e cultivado. Há uma clara oposição entre a "mata virgem" e o "trabalho alemão", sugerindo que a floresta é um obstáculo a ser superado para a manifestação da ordem e progresso germânicos.
Quarto, o seu relato nos situa em 1936, um momento de consolidação das colônias alemãs. Ele descreve o avanço da fronteira agrícola e o desmatamento contínuo. No entanto, sua visão eurocêntrica e nacionalista oculta desigualdades e processos de exclusão. A ausência completa de menção a povos originários, caboclos ou afrodescendentes que habitavam ou influenciaram a paisagem é um silenciamento revelador de "outras histórias da paisagem". Mesmo a precariedade material de algumas escolas é subordinada a um elogio da perseverança, escamoteando uma crítica social mais profunda. A paisagem modificada, as construções em estilo germânico e os nomes dos rios são apresentados como parte da construção de um "mundo alemão tropical", onde o ambiente se torna palco para a recriação da pátria.
Quinto, podemos identificar no trecho referências a impactos ambientais. A presença de "tocos de árvores nos campos" demonstra o desmatamento. A descrição das "feridas de aclimatação" que afetam crianças imigrantes (como o filho de Grothe, Olaf) e mulheres é um indicador direto dos efeitos da transposição de corpos humanos para um novo ambiente ecológico. A construção de infraestruturas, como o moinho e as pontes, e a modificação de cursos de água para a navegação (no rio Itajaí-Açu) também são exemplos de transformações ecológicas.
E um sexto ponto a considerar é que Grothe demonstra como os colonos se inserem em sistemas de produção e circulação que transcendem o local. O moinho, o transporte de leite e a tentativa de expandir a ferrovia conectam as colônias a sistemas mais amplos de energia e mercadorias. A descrição do porto de Itajaí, dos vapores da "Companhia de Navegação Hoepcke" e da aspiração por uma ligação ferroviária com Blumenau revelam interconexões entre as colônias e os centros exportadores, sendo parte de uma economia global. As referências à cultura alemã, as políticas culturais do "Terceiro Reich" e o envio de materiais pedagógicos pelo "Lesepatenwerk" conectam o Sul do Brasil a um projeto cultural transnacional, mostrando a mobilidade em escalas espaciais e temporais.
A leitura do texto de Hugo Grothe nos permite ir além do mero relato de viagem. É uma fonte que trata a natureza não como pano de fundo, mas um ator fundamental que interage com os modos de produção, as percepções culturais e as transformações ecológicas. Percebemos as complexas relações socioambientais, as desigualdades intrínsecas e as conexões das colônias locais com escalas globais de migração, cultura e economia. Assim, o relato de 1936 de Grothe se torna um valioso documento para compreender não apenas a história da colonização alemã no Brasil, mas também a história ambiental do território catarinense, suas modificações e os desafios de aclimatação e coexistência cultural em um "mundo alemão tropical".