"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

domingo, 24 de novembro de 2013

Ataque de “bugres” à uma serraria da colônia Blumenau relatado por um colono: os nativos estavam atacando ou defendendo suas terras?


Gabriel Pierri de Souza; Francisco José Matias; Martin Stabel Garrote; Gilberto Friedenreich dos Santos
Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí – GPHAVI 
Departamento de História e Geografia - Universidade Regional de Blumenau – FURB


Guerreiros Xokleng/Laklano séc XIX


Na tradicional história de Blumenau o seu fundador e os demais colonos são vistos pelo senso comum e pela literatura local como heróis, que enfrentaram diversas dificuldades, uma dessas seria a difícil vivência da colônia em contraste com os nativos que se sentiam ameaçados pela grande exploração dos mesmos, causando enfrentamentos entre ambos, muitas vezes violentos com resultados fatais. Sendo assim, o presente trabalho trata de analisar o relato feito por um colono em forma de  correspondência, sobre os ataques dos nativos às propriedades locais da colônia de Blumenau. Trazendo novas informações e discussões sobre a relação entre explorador e nativo. Um dos problemas enfrentados em tal pesquisa foi a falta de relatos de percepções de enfrentamentos territoriais pelo lado dos nativos.


Esta pesquisa é uma parcela do projeto de pesquisa, do Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí (GPHAVI), história e memória ambiental das antigas e atuais serrarias do território do Parque Nacional da Serra do Itajaí. Onde foram levantados documentos históricos, relatórios da colônia Blumenau, cartas, entrevistas orais, notícias de jornais entre outras fontes. Entre estes documentos levantados, uma carta relatando ataque de “índios” aos colonos, chamou a atenção dos pesquisadores abrindo espaço para estudos e discussões publicados resumidamente neste trabalho. Bloch nos ensina que “vamos buscar, dando-lhes, onde for necessário, os matizes de novas tintas, os elementos que nos servem para a reconstituição do passado” (Bloch, 1997, p.43). Utilizando  como  embasamento teórico a História Ambienta, que busca compreender as relações entre ações humanas e a natureza, ou seja, trata-se aqui de conflitos entre duas etnias distintas pelos recurso e território natural.
Bugreiros e suas armas



Em uma carta enviada por seu Julius, à Hermann Blumenau seu irmão, é relatado um ataque de “bugres” a uma residência localizada próxima a serraria Sallentien e Gartner (não se sabe a localização exata). O autor da carta relata que os colonos não levavam a sério os pequenos ataques dos nativos que são chamados de “bugres”, [...] “Antes aqui riam todos a cerca dos bugres, como aqui são chamados, porque raramente apareciam, e quando isto acontecia, era para roubar, não para matar.” (JULIUS, 1855, p.1). É notável que alguns colonos não temiam os nativos, entretanto, um acontecimento singular mudou as concepções de suas seguranças pessoais.


No dia 9 de novembro de 1855, oito ou nove nativos realizaram uma emboscada na serraria citada a cima, que resultou na morte de dois operários e um ferido, esse último era Paul Kellner, um dos 17 primeiros colonos de Blumenau. Eles estavam escavando um canal para escoar água da serraria quando foram atacados com flechas. Como segue na Figura  referente a carta:




Vale lembrar que estamos analisando o lado das “vitimas”, os colonos, e não temos o relato dos nativos, que segundo a carta iniciaram o ataque. Por este motivo, tal tipo de estudo é de grande importância para novas discussões de como era a relação entre colono e nativo. Segundo Martin Garrote em seu estudo sobre os conflitos étnicos entre colonos e índios no sul de Blumenau, é possível encontrar momento de relação pacífica entre colonos e índios. (GARROTE, 2012).

No livro de Edith Kormann, Blumenau: arte, cultura e as histórias de sua gente (1850 – 1985) é citado o acontecido entre os nativos e colonos. Segundo a autora Paul Kellner, sobrinho de Hermann Blumenau é um dos primeiros imigrantes da região, não se limitou a um simples lote colonial, adquirindo uma área maior na margem do rio Itajaí-mirim entre Itajaí e Brusque (KORMANN, 1994). Tal informação reflete a um entendimento maior da situação de Paul na época, nota-se que ele não estava simplesmente explorando e devastando o mínimo para sobreviver, mas sim estendendo sua exploração cada vez mais, ocupando o território e possivelmente prejudicando os nativos. Com isso os nativos podem ter enfrentado dificuldades para obter recursos naturais, como água e alimento, consequentemente, ao que parece mais óbvio, tiveram que começar a roubar para sobreviver, causando enfrentamentos violentos entre nativo e explorador.

Não cabe aqui julgar quem foram os “mocinhos” e os “vilões”, mas sim trazer esse tipo de informação ao meio acadêmico para que possa ser aprofundado e levado à comunidade com o intuito de tentar explicar a história de um determinado ponto, pois todo ponto de vista, é vista de um ponto. Não havia uma guerra aos colonos, mas sim ataques ou simplesmente agressões, motivadas, às vezes, pelo encontro de índios e colonos em territórios que ambos tinham interesse. Este trabalho tem o intuito de instigar os indivíduos a procurarem outros relatos e pesquisas que possam mudar suas concepções dos acontecimentos em um determinado local e período, fugindo um pouco da tradicional história do município, e consequentemente refletindo de quais seriam as relevâncias e os desafios de estudar esse tipo de documento.


Referências

BLOCH, Marc. Introdução à história. Ed: Europa-América, 1997, Pág. 289.

KORMANN, Edith. Blumenau: arte, cultura e as histórias de sua gente (1850 – 1985). Florianópolis: Paralelo 27, 1994.

GARROTE, Martin. Os conflitos étnicos entre colonos e índios no sul de Blumenau/SC: memórias. IX ANPED SUL: Seminário de pesquisa em educação da região sul 2012. Pág. 16.

JULIUS, Blumenau. Carta, 7 de dezembro de 1855, Colônia Blumenau para Hermann, Alemanha. 2 folhas. Ataque de índios.




Gabriel Pierri de Souza  é estudante de História e Bolsista de Iniciação Científica (PIPe 2013) no GPHAVI desde março deste ano. Atua na pesquisa Subsídios para a História Ambiental das antigas serrarias do Sul de Blumenau território do Parque Nacional Serra do Itajaí, que conta com a parceria do ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade .

Acesse o Lattes do autor:  http://lattes.cnpq.br/8012732213045066


Este texto foi publicano nos Anais da 7º Mostra de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade Regional de Blumenau (Anais).



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