"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

quinta-feira, 1 de maio de 2025

A História Ambiental e 01 de maio!


O Dia do Trabalhador, celebrado em 1º de maio, é marcado pela memória das lutas por condições dignas de trabalho, como a que ocorreu em 1886, nos Estados Unidos, com a Greve de Chicago. No entanto, ao pensar essa data por uma perspectiva da História Ambiental, percebemos que ela também é o marco simbólico de um processo mais amplo de transformação: a consolidação da Revolução Industrial e suas consequências para os trabalhadores e para o meio ambiente.

A partir da segunda metade do século XVIII, a industrialização alterou profundamente não só as formas de produção, mas também os espaços e as relações entre seres humanos e a natureza. A instalação de fábricas, a exploração intensiva dos recursos naturais e o crescimento desordenado das cidades promoveram uma verdadeira reconfiguração das paisagens. Rios foram desviados ou contaminados; florestas foram derrubadas para dar lugar a ferrovias, bairros operários e complexos industriais; o ar se encheu de fuligem, e o solo urbano se cobriu de resíduos industriais.

Uma paisagem industrial da década de 1830 em Nantyglo, Blaenau Gwent, no Reino Unido, retrata o intenso desenvolvimento siderúrgico da época. Diversas chaminés lançam fumaça no ar, enquanto uma ponte se destaca como elemento central da cena, simbolizando a transformação do espaço pela industrialização.

Fonte: Revolução Industrial – Wikipédia




A lógica capitalista da produção em larga escala, movida a carvão e depois a petróleo, consolidou um modelo de desenvolvimento que se apoiava na degradação ambiental como algo natural e necessário. A busca incessante por lucro e produtividade transformou a natureza em recurso a ser exaurido, e os trabalhadores, em meros instrumentos de produção. As cidades industriais, como Manchester, Londres e Chicago — palco das manifestações que originaram o 1º de maio — tornaram-se símbolos dessa nova era. Mas esses centros urbanos também se tornaram espaços de insalubridade extrema, onde operários viviam em cortiços superlotados, rodeados de esgoto, fumaça e doenças.

A Revolução Industrial, portanto, não foi apenas uma revolução tecnológica ou econômica: foi uma revolução territorial e ambiental. Os espaços rurais foram esvaziados de gente e sentidos, enquanto as cidades cresciam de forma caótica, sem planejamento, num cenário de profunda desigualdade socioambiental. A degradação do meio ambiente urbano acompanhou o processo de exploração do trabalho humano. A fábrica, símbolo do progresso industrial, era também o local onde corpos eram adoecidos por jornadas exaustivas, ruído constante, calor, poeira, intoxicação química e a ausência quase completa de segurança.

A imagem retrata uma criança puxando um carrinho carregado de carvão em uma mina durante a Revolução Industrial britânica. Essa cena ilustra as duras condições de trabalho infantil da época, marcadas por jornadas exaustivas, espaços confinados e ausência de proteção, refletindo a exploração extrema que caracterizou o trabalho nas minas.

Fonte: A Mineração de Carvão na Revolução Industrial Britânica – World History Encyclopedia



Essa destruição do equilíbrio entre sociedade e natureza tornou-se estrutural ao sistema capitalista. E é nesse ponto que a História Ambiental lança luz: ao nos mostrar que o modelo de produção que oprime o trabalhador é o mesmo que devasta o ambiente. A luta dos operários por condições dignas de trabalho é, também, uma luta por condições dignas de vida — e isso inclui o direito a um ambiente saudável.

A modernização, que tantas vezes é vendida como "progresso", veio acompanhada da expropriação tanto da força de trabalho quanto dos territórios. Na perspectiva da História Ambiental, o 1º de maio deve nos lembrar não só da resistência ao modelo de exploração humana, mas também da resistência ao modelo de exploração da natureza. A destruição ambiental e a degradação das condições de vida andam juntas — e a urbanização descontrolada, os bairros operários cercados de poluição e a atual crise climática são desdobramentos contínuos daquele mesmo processo iniciado nos séculos XVIII e XIX.

No século XXI, os desafios persistem. Os trabalhadores de aplicativos enfrentam jornadas extensas, sem proteção legal, e circulam em cidades congestionadas, poluídas e fragmentadas. A tecnologia que prometia aliviar a carga de trabalho muitas vezes tem servido para intensificá-la. A lógica da mais-valia continua a pautar o uso tanto da natureza quanto da vida humana como matéria-prima descartável.

Assim, o 1º de maio deve ser resgatado como uma data de luta e reflexão não apenas sobre os direitos trabalhistas, mas sobre os caminhos do desenvolvimento que temos escolhido. Um mundo mais justo exige pensar trabalho e meio ambiente como dimensões inseparáveis da dignidade humana. E exige reconhecer que a justiça social e a justiça ambiental caminham lado a lado — ontem, hoje e sempre.

Nenhum comentário: