"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Notas sobre uma pequena História Ambiental da atividade da fumicultura de Botuverá-SC

A fumicultura se fixou como uma das principais atividades agrícolas do município de Botuverá, e durante a segunda metade do século XX, juntamente com a extração de madeira, assumem a totalidade da atividade econômica local. Fato foi constatado quando visitamos as comunidades de Lageado Alto e Baixo, no entorno do Parque Nacional da Serra do Itajaí em 2009, e encontramos uma paisagem quase que em sua plenitude de monocultura de fumo e eucaliptos. Nas margens dos ribeirões constatamos mudas de fumo, e sabemos o que isso significa! Tendo isso em vista aprofundamos nossas pesquisas, dando origem a uma pequena História Ambiental da Fumicultura em Botuverá. O interesse pela questão da fumicultura partiu da estudante de Ciências Sociais Ana Claudia Moser, que orientada pelos pesquisadores Gilberto e Martin identificou e analisou fontes bibliográficas, e realizou entrevistas com os fumicultores. Os resultados da pesquisa foram apresentado no VI Congresso Brasileiro de Agroecologia e II Congresso Latino-americano de Agroecologia, sendo publicado o resumo expandido na Revista Brasileira de Agroecologia, em seu volume 4, número 2 de 2009
A pesquisa evidenciou que a  paisagem da região das comunidades de Lageado Alto e Lageado Baixo em Botuverá começa a ser modificada intensamente com o início da colonização europeia por volta da década de 1860. Nas primeiras décadas as unidades familiares mantinham-se através da agricultura de subsistência, criação de animais domésticos, caça, pesca e extração de madeira nativa. O excedente de produção da unidade familiar era comercializado através de um sistema de trocas. Foi constatado que as principais dificuldades encontradas pelos imigrantes em sua adaptação, foram as características geográficas da região da Serra do Itajaí. Os fundos de vale estreitos envoltos por encostas íngremes, a distância da sede da Colônia Itajaí-Brusque (30 quilômetros) dificultada pelas péssimas condições de transporte da época, e a falta de tecnologia para desenvolver o plantio em larga escala ou meios eficazes de transportar a produção, resultaram na predominância da agricultura de subsistência e a extração de madeira em pequenas quantidades. Nesse período o cultivo do fumo era realizado apenas para o consumo próprio. 
Na década de 1940 empresas de tabaco incentivaram os agricultores, de base familiar, o cultivo comercial do fumo em suas propriedades. Neste momento, o desenvolvimento da atividade exige maior uso dos recursos naturais da região que acentua a transformação da paisagem, bem como alavanca o quadro econômico e social do município. A inserção do cultivo do fumo foi realizada por extensionistas com apoio das empresas de tabaco, que orientavam e monitoravam desde o preparo do solo até o tempo de permanência do fumo nas estufas. De acordo com relatos o cultivo era realizado em todas as tifas ou bairros: “Aqui em Botuverá cada um, cada família era uma estufa ou duas, quem não tinha três” (TOMAZIA, 2008), e os locais para as lavouras eram dos mais variados desde terrenos acidentados até várzeas próximas aos cursos de água. 
Para realizar o cultivo as famílias recebiam das empresas as mudas e os produtos químicos necessários, para a qual vendiam sua produção posteriormente, sendo os agricultores responsáveis pela construção das estufas e do corte de madeira para a lenha. O processo produtivo tinha características artesanais: o preparo do solo era iniciado com a coivara, seguindo o arado, a semeadura, a colheita, a separação do fumo e o abastecimento das estufas eram trabalhos essencialmente manuais (FACHINI, 2008). De acordo com os relatos, desde o início a atividade comercial da fumicultura provocou impactos na paisagem com a redução da mata para a expansão do cultivo e retirada de lenha para as estufas, bem como danos ao solo com técnicas inadequadas de manejo e facilitando a contaminação do solo e dos recursos hídricos. Nesse período de intensa produção também se intensificam os usos de agroquímicos e de recursos tecnológicos. Esse fenômeno é uma das consequências da Revolução Verde que compreende uma parte do processo de modernização da agricultura no Brasil.
Os avanços tecnológicos na fumicultura aparecem, nas memórias dos entrevistados, na forma de, por exemplo, bandejas e canteiros para semear, máquinas para amarrar o fumo e a ampliação da variedade de produtos químicos utilizados ao longo do processo, intensificando os impactos ambientais. Nas últimas décadas se modificaram as formas como são aplicados e os tipos de agroquímicos utilizados. Muitos dos agricultores entrevistados na comunidade olham para o passado e questionam-se a respeito do perigo que correram ao aplicar os produtos químicos enviados pela empresa na plantação de fumo sem qualquer tipo de proteção, e também do tipo de contaminação que o solo e água da região podem ter sofrido. Segundo Florit (2004), a utilização de agrotóxicos vem degradando os ecossistemas e construindo uma espécie de ciclo vicioso que amplia cada vez mais a utilização desses produtos. As estufas passam a contar com tecnologias que contribuem para o controle da temperatura, facilitando o processo de cultivo e melhorando a qualidade das safras (COMANDOLI, 2009). Paralelo a produção de fumo era realizada a agricultura de subsistência nas entre safras, por exemplo, o mesmo solo onde se cultivava o fumo era utilizado para o cultivo de milho ou aipim.
A extração de madeira tem um papel importante para o cultivo do fumo, pois é utilizada em grande quantidade no abastecimento das estufas para a secagem das folhas de fumo, como afirma Molinari Fillho (2008), “para secar, a base de 50 mil pé de fumo, vai à base de 70 ou 80 metros de lenha”. As empresas de tabaco incentivavam o cultivo de eucalipto para o  abastecimento das estufas, porém esse tipo de madeira não apresentava o mesmo retorno da madeira nativa, e conforme Molinari (2008) “se vai 20 (metros) de madeira de mato, vai 25 ou 30 de eucalipto”. O cultivo de eucalipto ganha espaço na paisagem somente nas últimas décadas como atividade complementar. Na década de 1990 as características da região passam por mais um processo de transformação. A partir desse período o fumo perde espaço no plano econômico local com a chegada de indústrias têxteis, do fortalecimento da mineração de calcário que atraem um maior interesse pela população economicamente ativa mais jovem e também do seu deslocamento para Brusque, área econômica mais dinâmica. Esses fatores levaram a mudança de hábitos tradicionais da comunidade, como a extração de madeira e a caça, ou seja, modificaram características culturais ligadas a elementos da natureza que são valorizadas pelos membros da comunidade. As políticas ambientais, aliada a ampliação e diversificação das indústrias a partir da década de 90, influenciaram na redução da atividade agrícola e no desflorestamento. A fumicultura como atividade mercantil permitiu aos agricultores a melhoria das condições econômicas e o acesso a diversos recursos tecnológicos tanto domésticos, quanto agrícolas.
Porém, segundo Frey e Wittmann (2006), os principais problemas ambientais do setor da fumicultura estão ligados às conseqüências do modelo de desenvolvimento da região, como o uso intenso de agroquímicos, o manejo inapropriado de embalagens, a contaminação do solo e dos recursos hídricos e no desflorestamento e redução das matas nativas. As políticas ambientais se direcionam no sentido de gerir de forma sustentável esse modelo agrícola. 
Foi concluído com a pesquisa que  a introdução do cultivo comercial do fumo transforma mais intensamente a paisagem de Botuverá a  partir da década de 1940 ao reduzir a cobertura vegeta nativa através da expansão da área de cultivo e da necessidade de lenha para o abastecimento das estufas; e a partir da década de 1960 a degradação do meio ambiente acentua-se com a tecnologia empregada pela revolução verde. Entretanto, os fumicultores apontaram melhoria das condições econômicas e sociais
locais. Entretanto, particularmente a partir da década de 1990, o declínio da atividade e as políticas ambientais frearam o desflorestamento e as áreas de cultivo vêm diminuindo.
Ainda não existem estudos sistematizados sobre os impactos ambientais da fumicultura nessa região, mas podemos considerar que a principal consequência do cultivo de fumo em Botuverá expressa pelos fumicultores, foi: a perda de boa parte de sua cobertura vegetal original, ocasionando na diminuição de espécies animais e vegetais, característica do tipo de vegetação da região, ocasionando um desequilíbrio na manutenção do ecossistema local; e a contaminação do solo e dos recursos hídricos locais pelo intenso uso de agroquímicos nas plantações. Mesmo com o declínio das atividades agrícolas comerciais não foram identificadas experiências de perspectiva agroecológicas para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável na região, baseadas em pequenas unidades de produção. Para acessar o estudo na integra (artigo expandido publicado) clique aqui!

Fonte/para citar o material: SANTOS, Gilberto Friendenreich dos ; MOSER, Ana Cláudia; GARROTE, M. S. . História Ambiental dos Fumicultores em Botuverá (SC). Revista Brasileira de Agroecologia, v. 4, p. 4429-4433, 2009.

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