"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

domingo, 31 de agosto de 2025

Já é um seguidor do nosso Blog?

Desde 2009, o Blog do Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí tem sido um espaço dedicado à divulgação das atividades do grupo, e o que começou como uma simples página inicial para o grupo transformou-se em uma ferramenta dinâmica e essencial para compartilhar conhecimento, reflexões e atividades relacionadas à História Ambiental. Vale ressaltar que o blog é um Programa de Extensão do GPHAVI, e seus resultados mostram a difusão dessa área, acentuando o blog como um canal importante de divulgação científica.

A ideia do blog surgiu como uma opção prática para centralizar as informações do grupo, mas rapidamente evoluiu para um canal ativo de comunicação de História Ambiental. Além de divulgar eventos, publicações e projetos do grupo, passou a cumprir um papel fundamental na divulgação científica, traduzindo conceitos acadêmicos em linguagem acessível e mostrando como o passado ambiental nos ajuda a compreender os desafios do presente.

Hoje, celebramos com orgulho 725 postagens publicadas e mais de 301 mil visualizações ao longo de sua trajetória! Esses números não são apenas métricas, representam o interesse crescente pela História Ambiental e a relevância do trabalho desenvolvido por pesquisadores, estudantes e colaboradores envolvidos. 

Dados em 21/08/2025









O blog atingiu públicos em diferentes regiões do Brasil e até mesmo em outros países, tornando-se referência para quem estuda ou se interessa pela relação entre sociedade e natureza ao longo do tempo. Abaixo, confira um mapa com os principais acessos:




Agradecemos a todos que acompanham, compartilham e interagem com nosso conteúdo. Essa trajetória é resultado de muito trabalho coletivo e da crença de que a História Ambiental é essencial para pensarmos um futuro mais sustentável e consciente. Quer saber mais? Navegue pelas postagens, comente e faça parte dessa conversa! Clique e se torne um seguidor para acompanhar as postagens.


sábado, 30 de agosto de 2025

Ensino de História Ambiental na Educação Básica: possibilidades.

Imagem de IA
O ser humano sempre esteve entrelaçado ao meio ambiente, moldando-o e sendo moldado por ele ao longo do tempo. No entanto, por muito tempo, essa relação foi pouco explorada nas aulas de História. Hoje, diante dos desafios ambientais, o que vivemos no antropoceno, o ensino de História Ambiental emerge como uma ferramenta poderosa para formar cidadãos críticos e conscientes. Ao pensar no assunto, levantei três fontes para analisar e falarei delas, e pontuo algumas observações sobre como integrar a História Ambiental na Educação Básica, na sala de aula!


O primeiro texto que analisamos foi Fabrício Viana Almeida, intitulado Aprendizagem histórica ambiental: a relação entre História local e o território ambiental do Rio Lontra como estratégia de ensino de História no Colégio Estadual Rui Barbosa - Araguaína-TO,  trata de um exemplo concreto, sendo até guia, Almeida demonstra como a história local de uma cidade e seu território ambiental (no caso, o rio Lontra em Araguaína-TO) podem ser usados como ponto de partida para discutir a poluição e as transformações ambientais ao longo do tempo. A pesquisa usou uma abordagem qualitativa-quantitativa e o método de pesquisa-ação, envolveu estudantes na investigação, produção de material pedagógico e disseminação de conhecimentos para sensibilizar a comunidade para a causa ambiental. O trabalho resultou na criação de um Guia de Orientação em formato e-book (PDF) para auxiliar na sala de aula, apresentando uma estratégia de ensino de oito etapas. Uma atividade muito legal, integrando a História Ambiental, História Local,  onde o aluno vive, com questões ambientais mais amplas.

O segundo texto foi o trabalho de Stephany Beatriz de Souza Silvestre, História e meio ambiente: ensino de história ambiental na educação básica e suas possibilidades, que realiza uma análise sobre o surgimento da História Ambiental como campo de estudo, suas problemáticas e as possibilidades de sua inclusão na educação básica. Silvestre destaca a importância de superar o antropocentrismo (visão de que o ser humano é o centro de tudo e o principal causador de problemas ambientais), reconhecendo que a natureza também é um agente ativo na história. O artigo reforça a necessidade da interdisciplinaridade, incentivando o diálogo entre História e outras áreas como Biologia, Química e Geografia para uma compreensão mais completa. Além disso, aponta os marcos legais e educacionais que apoiam a inclusão da História Ambiental, como a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (1981), a Lei da Educação Ambiental (1999) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que preveem a análise de processos ambientais em diferentes escalas. 

A terceira fonte é de Evandro Cardoso do Nascimento, O ensino de história ambiental na educação básica: uma Aula-Oficina sobre a pré-história, apresenta uma metodologia para o ensino de História Ambiental através de "Aula-Oficina", aplicada a estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental. Ele explica uma metodologia ativa e participativa, a Aula-Oficina, que transforma a sala de aula em um espaço de produção de conhecimento. O estudo mostra como utilizar fontes históricas não-tradicionais, como as pinturas rupestres do Parque Nacional Serra da Capivara, para reconstruir ambientes naturais do passado (paleoambiente) e discutir sobre as mudanças climáticas. A abordagem visa ao desenvolvimento da consciência histórica genética dos estudantes, fazendo-os perceber que o meio ambiente não é estático e que as experiências humanas ocorrem em constante interação com o mundo natural, conectando passado, presente e futuro. A Aula-Oficina valoriza o conhecimento prévio dos alunos, a interpretação de fontes e a produção de narrativas históricas, tornando o aluno protagonista de sua aprendizagem.

É um tema muito interessante, o ensino de Historia Ambiental, e essa dimensão é fundamental em muitas outras análises. Como exemplo a política do café com Leite, os ciclos econômicos, isso tudo leva um pouco de natureza como elemento norteador e agente de transformação da história. Integrar a História Ambiental no ensino é não só possível, mas necessário! A história do Brasil pode ser compreendida de forma mais completa e significativa através da lente da História Ambiental, pois nossa história é movida em muitos momentos por elementos naturais, como o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro, o café e, mais recentemente, a agropecuária e a mineração, não apenas moldou a economia, mas também definiu as estruturas sociais, os conflitos territoriais e a própria identidade nacional. Essa abordagem evidencia que a natureza não foi meramente um palco ou recurso passivo, mas um agente ativo que influenciou decisões políticas, rotas de expansão e até mesmo a resistência de povos indígenas e comunidades tradicionais, desvendando as raízes profundas dos desafios socioambientais contemporâneos.

Para fazer um aula de História Ambiental comece pelo local e o cotidiano dos estudantes, identifique problemas locais, explorando questões ambientais presentes na comunidade, como a poluição de um rio próximo, o desmatamento de uma área verde ou problemas com o lixo. Pode ser explorada a memória dos mais velhos, e a participação dos estudantes torna o aprendizado mais significativo, pois os alunos se conectam com a realidade em que vivem. Conecte a história da escola e da cidade, e para isso realize uma pesquisa com os estudantes identificando a história do bairro, da escola ou do município. Muitas cidades surgiram e se desenvolveram em torno de rios ou florestas, e suas histórias estão entrelaçadas com as transformações ambientais. Monte uma cronologia e verifiquem como o ambiente se transformou. Debata os resultados em sala, monte um exposição!

É possível desenvolver diversas atividades de ensino de História Ambiental estando integrada a outros componentes circulares, assim dialogue com outras disciplinas para integrar o seu projeto, isso é importante para a História Ambiental, e procure parcerias com professores de Biologia, Geografia, Química e até de Artes. Discutir temas ambientais sob diferentes perspectivas enriquece o aprendizado e oferece uma compreensão mais completa. Use documentos curriculares como a BNCC e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU já oferecem diretrizes para a abordagem de temas ambientais e a integração entre diferentes áreas do conhecimento. 

Com os estudantes utilize Metodologias Ativas e diversos tipos de fontes. Metodologias como Pesquisa-Ação e Aula Oficina, como olhamos no estudo acima,  possibilitam engajar os alunos em projetos de pesquisa, onde eles são os protagonistas, incentivando os estudantes a investigar, coletar dados, produzir materiais e disseminar o conhecimento. E é claro, diversifique nas fontes, vá além dos livros didáticos e utilize fotos antigas, mapas, relatos de viajantes, jornais, documentos governamentais, mitos, lendas e até pinturas rupestres. Essas fontes podem revelar como as sociedades do passado interagiam com a natureza e como os ambientes mudaram. Vídeos e simuladores virtuais de ecossistemas também são recursos didáticos valiosos. Se possível, leve os alunos para fora da sala de aula. Visitas a áreas protegidas, rios ou locais históricos na comunidade podem enriquecer a experiência e a percepção ambiental.

Ajude os estudantes a entender que as transformações ambientais não são um fenômeno recente, mas parte de um processo histórico contínuo. Como vimos em um dos estudos acima, a poluição do rio Lontra, por exemplo, tem raízes em eventos como a construção de rodovias e usinas hidrelétricas décadas atrás. Desafie a ideia de que a natureza é apenas um pano de fundo para a ação humana. Mostre como fenômenos naturais (clima, relevo, hidrografia) influenciam e são influenciados pelas sociedades. 
Ao compreender as causas históricas dos problemas ambientais, os alunos podem desenvolver um senso de responsabilidade e propor soluções para o presente e o futuro, tornando-se cidadãos mais atuantes. Assim ensinar História Ambiental é uma oportunidade de construir um conhecimento mais completo e significativo, capacitando os estudantes a serem agentes de mudança em um mundo que exige cada vez mais sensibilidade e compromisso com a preservação do meio ambiente.

Fontes:




domingo, 24 de agosto de 2025

História Ambiental e as guerras: uma dimensão necessária


Imagem gerada com IA

Quando nossos estudantes de História pensam a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), os temas que aparecem são batalhas, armas, tecnologias, as destruições causadas, o nazifascismo, o Holocausto e as bombas atômicas etc... No entanto, muitas vezes se esquecem dos problemas ambientais decorrentes desses fatores, tanto na produção material que gera a guerra, quanto nos resultados da guerra na transformação das paisagens, nas contaminações geradas pela indústria bélica e nos impactos provocados pelo conflito em si ao longo da história. Vale ressaltar, portanto, que, uma vez que hoje muitos historiadores apontam para a Era do Antropoceno, é necessário, como professores de História ou acadêmicos da área, considerar também a dimensão ambiental.

Quando olhamos a produção de História sobre a guerras os estudos geralmente privilegiaram aspectos políticos, sociais e militares: grandes generais, batalhas, estratégias e impactos institucionais. Mesmo no grupos de estudos que passam a ser chamados de nova história militar, estudos trataram de temas como gênero, raça e cultura no contexto bélico, e deixou de lado os efeitos ambientais dos conflitos. Foi apenas a partir das décadas de 1980 e 1990, e especialmente após os anos 2000, que os pesquisadores começaram a olhar com mais cuidado para a relação entre guerra e natureza.

Dois livros fundamentais ajudam a compreender como os conflitos armados moldaram não apenas a política e a economia, mas também a relação entre sociedade e natureza. O primeiro é War and Nature: Fighting Humans and Insects with Chemicals from World War I to Silent Spring (2001), de Edmund Russell. Nele, o autor mostra como a fronteira entre o campo de batalha e o campo agrícola foi sendo borrada ao longo do século XX. Os mesmos químicos criados para matar soldados inimigos, como os gases de guerra utilizados na Primeira Guerra Mundial, serviram de base para os pesticidas que passariam a dominar a agricultura moderna. A lógica da guerra, com suas metáforas de inimigos, extermínio e segurança, foi transplantada para o campo, transformando insetos e pragas em “adversários a serem vencidos” e consolidando a quimificação da agricultura no pós-guerra.

O segundo é a coletânea Natural Enemy, Natural Ally: Toward an Environmental History of War (2004), organizada por Richard Tucker e Edmund Russell. A obra reúne pesquisas de diferentes autores sobre como guerras globais afetaram ecossistemas e recursos naturais. O livro mostra, por exemplo, o impacto do esforço bélico sobre florestas, minérios e plantações, bem como a mobilização de recursos estratégicos, como a borracha, a madeira e os alimentos, para sustentar as frentes de combate. A guerra, nesse sentido, não é apenas um evento humano, mas também um fenômeno ecológico que remodela territórios inteiros.

Um outro livro que apresenta um excelente estado da arte é War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age, organizado por Charles E. Closmann em 2009, e reunindo diversas análises no campo das humanidades ambientais, especialmente da História Ambiental, trazendo estudos de caso variados: a devastação florestal nas Filipinas durante a colonização e as guerras; a “Marcha até o mar” de Sherman, que destruiu a base agrícola do sul dos EUA; o impacto ambiental das trincheiras na Primeira Guerra Mundial; as experiências de saúde pública com o uso de DDT na Itália durante a Segunda Guerra; a influência da guerra no manejo de aves migratórias na Califórnia; a memória material da resistência francesa na paisagem dos Alpes; e até o redesenho urbano de cidades bombardeadas, como Berlim e Tóquio. (Clique aqui e baixe esse livro de nossa biblioteca). Nesta obra o fio condutor é colocar a guerra como um agente poderoso de transformação ambiental, com efeitos muitas vezes inesperados e duradouros. É um livro que apresenta uma importante coletânea sobre o estado da arte sobre a História Ambiental da Guerra. Os estudos aqui integram a dimensão ambiental na análise histórica.

Quando vamos ensinar as grandes guerras vale muito uma educação ambiental a partir da análise da História Ambiental das guerras. Podemos realizar trabalhos e pesquisas com nossos estudantes sobre as guerras usando História Ambiental. Por exemplo, analisando o antes do conflito, apontando o que ocorre nesse momento, como as consequências da corrida armamentista, que já consome imensas quantidades de recursos naturais, como metais e combustíveis fósseis. Diversos estudos apresentam informações sobre as consequências dos conflitos,  as batalhas liberam grandes volumes de poluentes e contaminantes, tipo CO₂, gás mostarda, a radiação de bombas, e muitas outras coisas, e também promovem a transformação de paisagens, contaminam solos e águas com metais pesados e explosivos. E, se pensarmos no pós conflitos, podemos abordar os impactos sobre a população, contaminação, o surgimento ou agravamento de doenças, o colapso alimentar, hídrico, e demais fatores que prejudicam a resiliência da natureza, como os impactos da presença militar prolongada e a poluição gerada por esses processos no controle territorial pós guerras. Apontamos inúmeros fatores "negativos", pois são poucos os positivos, e mesmo existindo, ainda á processos de contaminação, mesmo que lenta, como os vestígios de carcaças da guerra, recebem novas funções pelos seres vivos do mar, como exemplo leia essa reportagem: Million dollar waste! Amazing photos reveal the expensive US military equipment dumped at the bottom of the Pacific Ocean after the Second World War because it was too expensive to bring home.

Existe uma diversidade de estudos sobre o tema História e Guerras, por exemplo, no google acadêmico fiz uma busca ao escreves aqui, usando os termos ("Enviromental history" + "Wars"), e como resultados apareceram mais de 80 estudos. Clique aqui e veja. Outras palavras chaves podem ser usadas para ampliar as buscas. Não necessariamente estudos de história feito por historiadores estão na mira, aqui interessa a interconexão com outras áreas, que com seus estudos produzem elementos para a produção de uma narrativa de História Ambiental. 

Agora, focando um pouco sobre a Segunda Guerra Mundial, peguei umas ideias do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente (CEOBS). Sobre o evento da 2GG eles apresentam alguns aspectos interessantes para a análise da História Ambiental. Como a necessidade de produção em massa, relaxou padrões ambientais e deixou como herança áreas altamente contaminadas, conhecidas como “Superfund” nos EUA.  Superfund são antigas bases militares espalhadas pelo mundo e que durante sua existência despejou  resíduos tóxicos, como metais pesados a solventes e óleos, diretamente ao ambiente. A imagem a mostra uma dessas áreas, na legenda um link para uma reportagem.



A guerra não foi travada apenas com armas, mas também com uma infraestrutura, na construção de estradas, portos e pistas de pouso, coisas que eram essenciais para a movimentação de tropas, armamentos e suprimentos. Ao abrir caminhos em florestas ou modificar áreas costeiras, novas rotas também facilitaram a introdução de espécies invasoras, plantas, insetos e pequenos animais, que se espalharam rapidamente e transformaram ambientes inteiros. Em regiões de clima extremo, como desertos, as alterações no solo e a presença militar prolongada aceleraram processos de erosão e degradação. Já em florestas tropicais, a devastação foi ainda mais visível: ilhas do Pacífico, como Iwo Jima e Okinawa, perderam praticamente toda a sua cobertura vegetal durante os combates, resultado da intensa movimentação militar, dos bombardeios e do uso massivo dos recursos naturais (CEOBS).

O uso de substâncias como CFCs (mais tarde ligados à destruição da camada de ozônio) e pesticidas como o DDT marcou a época. Ao mesmo tempo, milhões de hectares de florestas foram devastados na Europa, Rússia e Filipinas, deixando cicatrizes na biodiversidade. A descoberta e uso das armas atômicas inauguraram uma era de riscos radioativos. Testes nucleares posteriores liberaram materiais que contaminam solo, água e cadeias alimentares até hoje. Milhões de toneladas de resíduos radioativos se tornaram uma herança de difícil gestão para gerações futuras. Bombardeios criaram crateras que se tornaram criadouros de mosquitos, agravando a malária na Itália. Já o uso massivo de DDT para conter epidemias como o tifo transformou ecossistemas inteiros, afetando não apenas mosquitos, mas também peixes, aves e abelhas. Milhões de toneladas de entulho alteraram a geografia das cidades europeias. Em Berlim, por exemplo, seis anos após o fim da guerra ainda restavam 25 milhões de m³ de destroços. Muitas dessas ruínas foram reutilizadas para aterros, parques e remodelação urbana (CEOBS).

E no Brasil, de que forma podemos analisar a Segunda Guerra
 com a lupa da História Ambiental? 

A resposta desta pergunta produz uma bela aula de História Ambiental da Segunda Guerra Mundial e da Era Vargas. Pode ser usada na 9.série ou 2 ou 3 ano do EM. É contexto da 2GG, o Brasil, mesmo longe da linha de frente, foi profundamente integrado à engrenagem do conflito. Se, de um lado, nossa participação é lembrada pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, de outro, podemos integrar a História Ambiental para analisar de que forma o país participa do processo como produtor de matéria-prima e mercadorias, e o impacto  impacto ambiental decorrente em nosso território.

O lance é compreender como a natureza foi mobilizada e transformada em recurso estratégico para a guerra. No caso brasileiro na sala de aula podemos usar o caso da “Batalha da Borracha” na Amazônia e a intensificação da mineração de ferro, que fez os EUA auxiliar o polo industrial no pais.

Imagem gerada com IA
Durante a guerra, com a ocupação japonesa no Sudeste Asiático, os Aliados perderam acesso à principal região produtora de borracha do planeta. O material era indispensável para pneus, aviões e equipamentos militares. É aí que entre o Brasil, para a assumir um papel estratégico no abastecimento dos Estados Unidos. Com isso ocorre a Batalha da Borracha, um acordo entre Getúlio Vargas e Washington que recrutou e encaminhou milhares de trabalhadores nordestinos, os chamados “soldados da borracha”, para os seringais amazônicos. Com isso ocorre aumento da exploração, prejudicando a floresta, ao mesmo tempo migrações, e com elas diversos problemas aos que ficam, e aos que vão, assim como para os ambientes. No front de exploração da atividade da borracha, a pressão sobre a floresta prejudicou sua resiliência, e passou haver necessidade de abertura de novas áreas de coleta e a concentração de trabalhadores em determinados pontos causaram desmatamento, degradação e desequilíbrio no ecossistema. Com o fim da guerra e a retomada da produção asiática, a borracha brasileira perdeu relevância e isso aparece nos livros didáticos. 

Além da borracha, o momento histórico do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial também evidencia o papel do ferro no desenvolvimento industrial. A produção de ferro envolve um processo complexo, que gera grandes impactos ambientais e sociais. Durante o conflito, o país tornou-se um importante fornecedor do minério para os Estados Unidos, o que impulsionou avanços na siderurgia nacional por meio do intercâmbio entre os dois países. 

Esse movimento levou à criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), fruto dos acordos entre o governo Vargas e os norte-americanos. O objetivo era claro: garantir o fornecimento de aço para armas, veículos e navios dos aliados. Esse processo consolidou a mineração e a siderurgia como motores da industrialização brasileira, mas também intensificou impactos ambientais já conhecidos: desmatamento, alteração de paisagens e poluição hídrica decorrente da atividade mineradora.


Além desses casos, há muitos outros exemplos. No Vale do Itajaí, por exemplo, a indústria madeireira expandiu sua atuação ao firmar acordos comerciais com os EUA. Isso levou a uma exploração ainda mais intensa das florestas, incluindo espécies como a canela-sassafrás, utilizada para a produção de safrol. Esses exemplos mostram que, mesmo distante das frentes de combate, o Brasil participou do esforço de guerra por meio da exploração intensiva de seus recursos naturais — e com isso deixou também uma marca na sua História Ambiental.

A Segunda Guerra Mundial não pode ser compreendida apenas como um evento político e militar. Foi também uma guerra contra a natureza. A mobilização de recursos, como a borracha da Amazônia, o ferro das minas brasileiras, a madeira do Vale do Itajaí ou o petróleo do Oriente Médio, etc, mostra que os conflitos armados não se sustentam sem transformar profundamente os ambientes. Estradas, portos, pistas de pouso, indústrias e minas não desapareceram após 1945 e são objetos de estudo assim como  cicatrizes ambientais que persistem até hoje.

É por isso que a História Ambiental é fundamental no ensino e na pesquisa histórica. Ela permite que enxerguemos os processos de destruição ecológica não como efeitos colaterais da guerra, mas como parte estrutural de sua lógica. A devastação de florestas, a contaminação de solos e águas, o uso de químicos e metais pesados, a exploração de trabalhadores e territórios, tudo isso produziu prejuízos que atravessam o tempo e ainda recaem sobre o presente.

Para nós, historiadores e professores, integrar a dimensão ambiental no estudo das guerras é mais do que ampliar os temas tratados em sala de aula: é revelar que a disputa pelo controle, uso e modificação dos elementos da natureza é um dos motores centrais da guerra. E, ao mesmo tempo, é uma chave para pensar criticamente os dilemas ambientais do mundo contemporâneo. Afinal, compreender a destruição do passado é condição necessária para construir alternativas mais sustentáveis e evitar que os conflitos de amanhã repitam as catástrofes ambientais de ontem.

Referências que pesquisei e delas extrai algumas informações para compor o texto

BANKOFF, G. (2009). Wood for War: The Legacy of Human Conflict on the Forests of the Philippines, 1565–1946. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 32–48). Texas A&M University Press.

BRANTZ, D. (2009). Environments of Death: Trench Warfare on the Western Front, 1914–1918. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 68–91). Texas A&M University Press.

BRADY, L. M. (2009). Devouring the Land: Sherman’s 1864–65 Campaigns. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 49–67). Texas A&M University Press.

CEOBS. (2025, May 5). How does war damage the environment? The Conflict and Environment Observatory. Disponível em: https://ceobs.org/how-does-war-damage-the-environment/

DAILY MAIL. (s.d.). Million Dollar Point site where the US army dumped expensive equipment after WW2 pictured. Daily Mail Online.

DIEFENDORF, J. M. (2009). Wartime Destruction and the Postwar Cityscape. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 171–192). Texas A&M University Press.

HALL, M. (2009). World War II and the Axis of Disease: Battling Malaria in Twentieth-Century Italy. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 112–131). Texas A&M University Press.

HASSAN, M. (s.d.). The Environmental Impact of WWII. Middle East Theater. Disponível em: The Environmental Impact of WWII. Acesso 24/08/2025.

LAAKKONEN, S. (2017, April 21). Today’s environmental problems sparked by World War II. University of Helsinki. Disponível em: Today’s environmental problems sparked by World War II Acesso em 24/08/2025.

MCNEILL, J. R., & PAINTER, D. S. (2009). The Global Environmental Footprint of the U.S. Military, 1789–2003. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 10–31). Texas A&M University Press.

PEARSON, C. (2009). Creating the Natural Fortress: Landscape, Resistance, and Memory in the Vercors, France. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 150–170). Texas A&M University Press.

RAI, M. V. (2022, June 27). The Impact of War on Our Natural Environment. FAWCO. Disponível em: The Impact of War on Our Natural Environment Acesso 24/08/2025.

UEKÖTTER, F. (2009). Total War? Administering Germany’s Environment in Two World Wars. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 92–111). Texas A&M University Press.

WILSON, R. (2009). Birds on the Home Front: Wildlife Conservation in the Western United States during World War II. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 132–149). Texas A&M University Press.

Sites que consultei:

War on the land : an environmental history of the Second World War and its aftermath in South Eastern France, 1939-1945




The Environmental Impact of WWII

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Novos projetos de Iniciação Científica aprovados pelo PIBIC/CNPq.

É com satisfação que comunicamos a aprovação de dois projetos de Iniciação Científica junto ao PIBIC/CNPq. Com as atividades continuamos a mais de 20 ano realizando iniciações científicas o que fortalece o grupo e a área na instituição. Os projetos foram aprovados nos editais (Edital 06/2025 -
PROPEX - PIBIC/CNPq - Apoio a projetos de pesquisa de Iniciação Científica; e Edital 08/2025 PROPEX - Programa Institucional de Iniciação Científica no Ensino Médio - PIBIC-EM/CNPq), pelo professor Gilberto. 

O primeiro deles é o projeto “A divulgação científica de História Ambiental nas redes sociais: investigando a produção dos grupos de pesquisa do Sul e Sudeste (Ano 2)”, que dá continuidade às investigações do projeto-guarda-chuva A divulgação científica nas redes sociais, é coordenado pelo professor Martin. Ele será desenvolvido por dois estudantes do 2º ano do Ensino Médio da Escola Técnica do Vale do Itajaí, sob orientação do Martin, que acompanha os jovens pesquisadores na própria escola como professor e orientador de IC.

Na graduação, tivemos aprovado o projeto “História ambiental e desenvolvimento regional da agropecuária no Vale do Itajaí (SC) na primeira metade do século XX”, vinculado ao projeto-guarda-chuva Agricultura e pecuária: história ambiental e desenvolvimento regional no Vale do Itajaí (SC), coordenado por Gilberto. As orientações serão realizadas em conjunto entre os professores Martin e Gilberto, fortalecendo a troca de experiências entre docentes e discentes.

Também está em desenvolvimento o projeto coordenado por Nelson, junto ao NEAB-FURB: “As comunidades quilombolas em Santa Catarina: o estado da arte, seus temas e a valorização das suas manifestações étnico-culturais”. O projeto em desenvolvimento com um estudante da graduaçao, busca mapear, compreender e valorizar a presença quilombola no estado, destacando suas lutas, saberes e expressões culturais. Além de contribuir para a preservação da memória e identidade dessas comunidades, a iniciativa também reforça a importância do reconhecimento e da valorização da diversidade étnica em Santa Catarina.

Esses resultados reforçam a importância da inserção de estudantes da educação básica e superior em atividades de investigação científica, aproximando ensino e pesquisa e ampliando os olhares sobre a História Ambiental no Vale do Itajaí.

sábado, 2 de agosto de 2025

Antropoceno: um novo problema para a História Ambiental!

Você já parou para pensar em como nossas ações estão moldando o futuro do planeta?

O termo Antropoceno tem ganhado cada vez mais destaque, não só na ciência, mas também em nosso dia a dia, para descrever uma nova era geológica em que a humanidade se tornou uma força transformadora em escala planetária. Mas o que isso realmente significa para nós e para a forma como contamos a nossa própria história?

Para aprofundar essa discussão e trazer luz a um debate complexo e multifacetado, temos o prazer de apresentar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Graduação em História, intitulado Antropoceno: um novo problema para a História Ambiental, de autoria de Desirée de Paula Irussa Martins. Realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob a orientação do Professor Dr. Alfredo Ricardo Silva Lopes.

A pesquisa de Desirée de Paula Irussa Martins surge de uma inquietação pessoal e de um desejo de compreender a fundo a crise climática e suas prováveis consequências irreversíveis. O objetivo principal é localizar historicamente o debate sobre o Antropoceno e oferecer uma compreensão a partir dos preceitos teórico-metodológicos da História Ambiental. 

O estudo reconhece que, embora todos compartilhemos as consequências das transformações globais, a participação ativa e as responsabilidades nos processos que as causaram não são equitativas. A autora questiona a ideia de uma "humanidade" genérica, defendendo que é crucial identificar os sujeitos e decisões reais que levaram às perturbações ambientais. A pesquisa aponta que a narrativa inicial e dominante do Antropoceno, ao elevar o "antropos" (humano) a um agente coletivo, obscurece desigualdades e responsabilidades históricas. Ela defende que esta compreensão influencia as "soluções" propostas (como mitigação e geoengenharia) que podem não abordar as raízes sistêmicas do problema. 

O trabalho se aprofunda em narrativas alternativas ao Antropoceno, como o Chthuluceno de Donna Haraway e o Negroceno de Malcom Ferdinand. Com isso a autora buscou descentralizar o excepcionalismo humano, propondo a "simpoiése multiespécie" – a criação e colaboração entre múltiplos agentes, humanos e não humanos. Também revela as raízes coloniais e escravistas da crise ecológica, conectando a destruição ambiental à dominação colonial e ao racismo ambiental, defendendo que as lutas antirracistas e ecológicas são inseparáveis. A autora propõe pensar o Antropoceno como um cronotopo, um conceito que articula tempo e espaço em uma narrativa. Isso permite entender que a forma como nomeamos e narramos essa era tem implicações éticas e políticas, moldando nossa compreensão da crise e os caminhos que tomaremos.

Para Desirée, o estudo da História Ambiental e a busca por "cronotopos outros" (outras narrativas) são essenciais para combater a "crise imaginativa" de futuros melhores que sua geração enfrenta. A pesquisa busca não nos paralisar, mas sim possibilitar a criatividade de ação e a construção de mundos mais justos. O trabalho não defende a extinção do termo Antropoceno, que é reconhecido como útil para expandir o debate para além dos muros acadêmicos. Em vez disso, ele argumenta pela necessidade de expandir a significação do conceito, abraçando a multiplicidade de narrativas que se complementam, como os "tentáculos" de Donna Haraway e a ideia de "criar mundos" de Malcom Ferdinand.

Este TCC é um convite à reflexão crítica sobre o nosso presente e a um engajamento mais consciente na construção do futuro. Ele mostra como a História Ambiental, ao romper com visões dualistas e buscar a complexidade ambiental, é fundamental para compreender as interconexões entre sociedade e natureza, poder e cultura. Acompanhe nosso blog para mais insights sobre este tema vital!

Fonte: 
MARTINS, Desirée de Paula Irussa. Antropoceno: um novo problema para a História Ambiental. 2025. 41 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Departamento de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2025.
Disponível em: 
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/266533/TCC%20Desir%c3%a9e%20%28vers%c3%a3o%20final%29%20%284%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Acesso em: 27/07/2025