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Quando nossos estudantes de História pensam a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), os temas que aparecem são batalhas, armas, tecnologias, as destruições causadas, o nazifascismo, o Holocausto e as bombas atômicas etc... No entanto, muitas vezes se esquecem dos problemas ambientais decorrentes desses fatores, tanto na produção material que gera a guerra, quanto nos resultados da guerra na transformação das paisagens, nas contaminações geradas pela indústria bélica e nos impactos provocados pelo conflito em si ao longo da história. Vale ressaltar, portanto, que, uma vez que hoje muitos historiadores apontam para a Era do Antropoceno, é necessário, como professores de História ou acadêmicos da área, considerar também a dimensão ambiental.
Quando olhamos a produção de História sobre a guerras os estudos geralmente privilegiaram aspectos políticos, sociais e militares: grandes generais, batalhas, estratégias e impactos institucionais. Mesmo no grupos de estudos que passam a ser chamados de nova história militar, estudos trataram de temas como gênero, raça e cultura no contexto bélico, e deixou de lado os efeitos ambientais dos conflitos. Foi apenas a partir das décadas de 1980 e 1990, e especialmente após os anos 2000, que os pesquisadores começaram a olhar com mais cuidado para a relação entre guerra e natureza.
Dois livros fundamentais ajudam a compreender como os conflitos armados moldaram não apenas a política e a economia, mas também a relação entre sociedade e natureza. O primeiro é War and Nature: Fighting Humans and Insects with Chemicals from World War I to Silent Spring (2001), de Edmund Russell. Nele, o autor mostra como a fronteira entre o campo de batalha e o campo agrícola foi sendo borrada ao longo do século XX. Os mesmos químicos criados para matar soldados inimigos, como os gases de guerra utilizados na Primeira Guerra Mundial, serviram de base para os pesticidas que passariam a dominar a agricultura moderna. A lógica da guerra, com suas metáforas de inimigos, extermínio e segurança, foi transplantada para o campo, transformando insetos e pragas em “adversários a serem vencidos” e consolidando a quimificação da agricultura no pós-guerra.
O segundo é a coletânea Natural Enemy, Natural Ally: Toward an Environmental History of War (2004), organizada por Richard Tucker e Edmund Russell. A obra reúne pesquisas de diferentes autores sobre como guerras globais afetaram ecossistemas e recursos naturais. O livro mostra, por exemplo, o impacto do esforço bélico sobre florestas, minérios e plantações, bem como a mobilização de recursos estratégicos, como a borracha, a madeira e os alimentos, para sustentar as frentes de combate. A guerra, nesse sentido, não é apenas um evento humano, mas também um fenômeno ecológico que remodela territórios inteiros.
Um outro livro que apresenta um excelente estado da arte é
War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age, organizado por Charles E. Closmann em 2009, e reunindo diversas análises no campo das humanidades ambientais, especialmente da História Ambiental, trazendo estudos de caso variados: a devastação florestal nas Filipinas durante a colonização e as guerras; a “Marcha até o mar” de Sherman, que destruiu a base agrícola do sul dos EUA; o impacto ambiental das trincheiras na Primeira Guerra Mundial; as experiências de saúde pública com o uso de DDT na Itália durante a Segunda Guerra; a influência da guerra no manejo de aves migratórias na Califórnia; a memória material da resistência francesa na paisagem dos Alpes; e até o redesenho urbano de cidades bombardeadas, como Berlim e Tóquio. (
Clique aqui e baixe esse livro de nossa biblioteca). Nesta obra o fio condutor é colocar a guerra como um agente poderoso de transformação ambiental, com efeitos muitas vezes inesperados e duradouros. É um livro que apresenta uma importante coletânea sobre o estado da arte sobre a História Ambiental da Guerra. Os estudos aqui integram a dimensão ambiental na análise histórica.
Quando vamos ensinar as grandes guerras vale muito uma educação ambiental a partir da análise da História Ambiental das guerras. Podemos realizar trabalhos e pesquisas com nossos estudantes sobre as guerras usando História Ambiental. Por exemplo, analisando o antes do conflito, apontando o que ocorre nesse momento, como as consequências da corrida armamentista, que já consome imensas quantidades de recursos naturais, como metais e combustíveis fósseis. Diversos estudos apresentam informações sobre as consequências dos conflitos, as batalhas liberam grandes volumes de poluentes e contaminantes, tipo CO₂, gás mostarda, a radiação de bombas, e muitas outras coisas, e também promovem a transformação de paisagens, contaminam solos e águas com metais pesados e explosivos. E, se pensarmos no pós conflitos, podemos abordar os impactos sobre a população, contaminação, o surgimento ou agravamento de doenças, o colapso alimentar, hídrico, e demais fatores que prejudicam a resiliência da natureza, como os impactos da presença militar prolongada e a poluição gerada por esses processos no controle territorial pós guerras. Apontamos inúmeros fatores "negativos", pois são poucos os positivos, e mesmo existindo, ainda á processos de contaminação, mesmo que lenta, como os vestígios de carcaças da guerra, recebem novas funções pelos seres vivos do mar, como exemplo leia essa reportagem:
Million dollar waste! Amazing photos reveal the expensive US military equipment dumped at the bottom of the Pacific Ocean after the Second World War because it was too expensive to bring home.
Existe uma diversidade de estudos sobre o tema História e Guerras, por exemplo, no google acadêmico fiz uma busca ao escreves aqui, usando os termos ("Enviromental history" + "Wars"), e como resultados apareceram mais de 80 estudos.
Clique aqui e veja. Outras palavras chaves podem ser usadas para ampliar as buscas. Não necessariamente estudos de história feito por historiadores estão na mira, aqui interessa a interconexão com outras áreas, que com seus estudos produzem elementos para a produção de uma narrativa de História Ambiental.
Agora, focando um pouco sobre a Segunda Guerra Mundial, peguei umas ideias do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente (
CEOBS). Sobre o evento da 2GG eles apresentam alguns aspectos interessantes para a análise da História Ambiental. Como a necessidade de produção em massa, relaxou padrões ambientais e deixou como herança áreas altamente contaminadas, conhecidas como “Superfund” nos EUA. Superfund são antigas bases militares espalhadas pelo mundo e que durante sua existência despejou resíduos tóxicos, como metais pesados a solventes e óleos, diretamente ao ambiente. A imagem a mostra uma dessas áreas, na legenda um link para uma reportagem.
A guerra não foi travada apenas com armas, mas também com uma infraestrutura, na construção de estradas, portos e pistas de pouso, coisas que eram essenciais para a movimentação de tropas, armamentos e suprimentos. Ao abrir caminhos em florestas ou modificar áreas costeiras, novas rotas também facilitaram a introdução de espécies invasoras, plantas, insetos e pequenos animais, que se espalharam rapidamente e transformaram ambientes inteiros. Em regiões de clima extremo, como desertos, as alterações no solo e a presença militar prolongada aceleraram processos de erosão e degradação. Já em florestas tropicais, a devastação foi ainda mais visível: ilhas do Pacífico, como Iwo Jima e Okinawa, perderam praticamente toda a sua cobertura vegetal durante os combates, resultado da intensa movimentação militar, dos bombardeios e do uso massivo dos recursos naturais (CEOBS).

O uso de substâncias como CFCs (mais tarde ligados à destruição da camada de ozônio) e pesticidas como o DDT marcou a época. Ao mesmo tempo, milhões de hectares de florestas foram devastados na Europa, Rússia e Filipinas, deixando cicatrizes na biodiversidade. A descoberta e uso das armas atômicas inauguraram uma era de riscos radioativos. Testes nucleares posteriores liberaram materiais que contaminam solo, água e cadeias alimentares até hoje. Milhões de toneladas de resíduos radioativos se tornaram uma herança de difícil gestão para gerações futuras. Bombardeios criaram crateras que se tornaram criadouros de mosquitos, agravando a malária na Itália. Já o uso massivo de DDT para conter epidemias como o tifo transformou ecossistemas inteiros, afetando não apenas mosquitos, mas também peixes, aves e abelhas. Milhões de toneladas de entulho alteraram a geografia das cidades europeias. Em Berlim, por exemplo, seis anos após o fim da guerra ainda restavam 25 milhões de m³ de destroços. Muitas dessas ruínas foram reutilizadas para aterros, parques e remodelação urbana (CEOBS).
E no Brasil, de que forma podemos analisar a Segunda Guerra
com a lupa da História Ambiental?
A resposta desta pergunta produz uma bela aula de História Ambiental da Segunda Guerra Mundial e da Era Vargas. Pode ser usada na 9.série ou 2 ou 3 ano do EM. É contexto da 2GG, o Brasil, mesmo longe da linha de frente, foi profundamente integrado à engrenagem do conflito. Se, de um lado, nossa participação é lembrada pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, de outro, podemos integrar a História Ambiental para analisar de que forma o país participa do processo como produtor de matéria-prima e mercadorias, e o impacto impacto ambiental decorrente em nosso território.
O lance é compreender como a natureza foi mobilizada e transformada em recurso estratégico para a guerra. No caso brasileiro na sala de aula podemos usar o caso da “Batalha da Borracha” na Amazônia e a intensificação da mineração de ferro, que fez os EUA auxiliar o polo industrial no pais.
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Durante a guerra, com a ocupação japonesa no Sudeste Asiático, os Aliados perderam acesso à principal região produtora de borracha do planeta. O material era indispensável para pneus, aviões e equipamentos militares. É aí que entre o Brasil, para a assumir um papel estratégico no abastecimento dos Estados Unidos. Com isso ocorre a Batalha da Borracha, um acordo entre Getúlio Vargas e Washington que recrutou e encaminhou milhares de trabalhadores nordestinos, os chamados “soldados da borracha”, para os seringais amazônicos. Com isso ocorre aumento da exploração, prejudicando a floresta, ao mesmo tempo migrações, e com elas diversos problemas aos que ficam, e aos que vão, assim como para os ambientes. No front de exploração da atividade da borracha, a pressão sobre a floresta prejudicou sua resiliência, e passou haver necessidade de abertura de novas áreas de coleta e a concentração de trabalhadores em determinados pontos causaram desmatamento, degradação e desequilíbrio no ecossistema. Com o fim da guerra e a retomada da produção asiática, a borracha brasileira perdeu relevância e isso aparece nos livros didáticos.
Além da borracha, o momento histórico do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial também evidencia o papel do ferro no desenvolvimento industrial. A produção de ferro envolve um processo complexo, que gera grandes impactos ambientais e sociais. Durante o conflito, o país tornou-se um importante fornecedor do minério para os Estados Unidos, o que impulsionou avanços na siderurgia nacional por meio do intercâmbio entre os dois países.

Esse movimento levou à criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), fruto dos acordos entre o governo Vargas e os norte-americanos. O objetivo era claro: garantir o fornecimento de aço para armas, veículos e navios dos aliados. Esse processo consolidou a mineração e a siderurgia como motores da industrialização brasileira, mas também intensificou impactos ambientais já conhecidos: desmatamento, alteração de paisagens e poluição hídrica decorrente da atividade mineradora.
Além desses casos, há muitos outros exemplos. No Vale do Itajaí, por exemplo, a indústria madeireira expandiu sua atuação ao firmar acordos comerciais com os EUA. Isso levou a uma exploração ainda mais intensa das florestas, incluindo espécies como a canela-sassafrás, utilizada para a produção de safrol. Esses exemplos mostram que, mesmo distante das frentes de combate, o Brasil participou do esforço de guerra por meio da exploração intensiva de seus recursos naturais — e com isso deixou também uma marca na sua História Ambiental.
A Segunda Guerra Mundial não pode ser compreendida apenas como um evento político e militar. Foi também uma guerra contra a natureza. A mobilização de recursos, como a borracha da Amazônia, o ferro das minas brasileiras, a madeira do Vale do Itajaí ou o petróleo do Oriente Médio, etc, mostra que os conflitos armados não se sustentam sem transformar profundamente os ambientes. Estradas, portos, pistas de pouso, indústrias e minas não desapareceram após 1945 e são objetos de estudo assim como cicatrizes ambientais que persistem até hoje.
É por isso que a História Ambiental é fundamental no ensino e na pesquisa histórica. Ela permite que enxerguemos os processos de destruição ecológica não como efeitos colaterais da guerra, mas como parte estrutural de sua lógica. A devastação de florestas, a contaminação de solos e águas, o uso de químicos e metais pesados, a exploração de trabalhadores e territórios, tudo isso produziu prejuízos que atravessam o tempo e ainda recaem sobre o presente.
Para nós, historiadores e professores, integrar a dimensão ambiental no estudo das guerras é mais do que ampliar os temas tratados em sala de aula: é revelar que a disputa pelo controle, uso e modificação dos elementos da natureza é um dos motores centrais da guerra. E, ao mesmo tempo, é uma chave para pensar criticamente os dilemas ambientais do mundo contemporâneo. Afinal, compreender a destruição do passado é condição necessária para construir alternativas mais sustentáveis e evitar que os conflitos de amanhã repitam as catástrofes ambientais de ontem.
Referências que pesquisei e delas extrai algumas informações para compor o texto
BANKOFF, G. (2009). Wood for War: The Legacy of Human Conflict on the Forests of the Philippines, 1565–1946. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 32–48). Texas A&M University Press.
BRANTZ, D. (2009). Environments of Death: Trench Warfare on the Western Front, 1914–1918. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 68–91). Texas A&M University Press.
BRADY, L. M. (2009). Devouring the Land: Sherman’s 1864–65 Campaigns. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 49–67). Texas A&M University Press.
CEOBS. (2025, May 5). How does war damage the environment? The Conflict and Environment Observatory. Disponível em: https://ceobs.org/how-does-war-damage-the-environment/
DAILY MAIL. (s.d.). Million Dollar Point site where the US army dumped expensive equipment after WW2 pictured. Daily Mail Online.
DIEFENDORF, J. M. (2009). Wartime Destruction and the Postwar Cityscape. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 171–192). Texas A&M University Press.
HALL, M. (2009). World War II and the Axis of Disease: Battling Malaria in Twentieth-Century Italy. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 112–131). Texas A&M University Press.
HASSAN, M. (s.d.). The Environmental Impact of WWII. Middle East Theater. Disponível em: The Environmental Impact of WWII. Acesso 24/08/2025.
LAAKKONEN, S. (2017, April 21). Today’s environmental problems sparked by World War II. University of Helsinki. Disponível em: Today’s environmental problems sparked by World War II Acesso em 24/08/2025.
MCNEILL, J. R., & PAINTER, D. S. (2009). The Global Environmental Footprint of the U.S. Military, 1789–2003. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 10–31). Texas A&M University Press.
PEARSON, C. (2009). Creating the Natural Fortress: Landscape, Resistance, and Memory in the Vercors, France. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 150–170). Texas A&M University Press.
RAI, M. V. (2022, June 27). The Impact of War on Our Natural Environment. FAWCO. Disponível em: The Impact of War on Our Natural Environment Acesso 24/08/2025.
UEKÖTTER, F. (2009). Total War? Administering Germany’s Environment in Two World Wars. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 92–111). Texas A&M University Press.
WILSON, R. (2009). Birds on the Home Front: Wildlife Conservation in the Western United States during World War II. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 132–149). Texas A&M University Press.
Sites que consultei:
War on the land : an environmental history of the Second World War and its aftermath in South Eastern France, 1939-1945
The Environmental Impact of WWII
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