"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

domingo, 31 de agosto de 2025

Já é um seguidor do nosso Blog?

Desde 2009, o Blog do Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí tem sido um espaço dedicado à divulgação das atividades do grupo, e o que começou como uma simples página inicial para o grupo transformou-se em uma ferramenta dinâmica e essencial para compartilhar conhecimento, reflexões e atividades relacionadas à História Ambiental. Vale ressaltar que o blog é um Programa de Extensão do GPHAVI, e seus resultados mostram a difusão dessa área, acentuando o blog como um canal importante de divulgação científica.

A ideia do blog surgiu como uma opção prática para centralizar as informações do grupo, mas rapidamente evoluiu para um canal ativo de comunicação de História Ambiental. Além de divulgar eventos, publicações e projetos do grupo, passou a cumprir um papel fundamental na divulgação científica, traduzindo conceitos acadêmicos em linguagem acessível e mostrando como o passado ambiental nos ajuda a compreender os desafios do presente.

Hoje, celebramos com orgulho 725 postagens publicadas e mais de 301 mil visualizações ao longo de sua trajetória! Esses números não são apenas métricas, representam o interesse crescente pela História Ambiental e a relevância do trabalho desenvolvido por pesquisadores, estudantes e colaboradores envolvidos. 

Dados em 21/08/2025









O blog atingiu públicos em diferentes regiões do Brasil e até mesmo em outros países, tornando-se referência para quem estuda ou se interessa pela relação entre sociedade e natureza ao longo do tempo. Abaixo, confira um mapa com os principais acessos:




Agradecemos a todos que acompanham, compartilham e interagem com nosso conteúdo. Essa trajetória é resultado de muito trabalho coletivo e da crença de que a História Ambiental é essencial para pensarmos um futuro mais sustentável e consciente. Quer saber mais? Navegue pelas postagens, comente e faça parte dessa conversa! Clique e se torne um seguidor para acompanhar as postagens.


sábado, 30 de agosto de 2025

Ensino de História Ambiental na Educação Básica: possibilidades.

Imagem de IA
O ser humano sempre esteve entrelaçado ao meio ambiente, moldando-o e sendo moldado por ele ao longo do tempo. No entanto, por muito tempo, essa relação foi pouco explorada nas aulas de História. Hoje, diante dos desafios ambientais, o que vivemos no antropoceno, o ensino de História Ambiental emerge como uma ferramenta poderosa para formar cidadãos críticos e conscientes. Ao pensar no assunto, levantei três fontes para analisar e falarei delas, e pontuo algumas observações sobre como integrar a História Ambiental na Educação Básica, na sala de aula!


O primeiro texto que analisamos foi Fabrício Viana Almeida, intitulado Aprendizagem histórica ambiental: a relação entre História local e o território ambiental do Rio Lontra como estratégia de ensino de História no Colégio Estadual Rui Barbosa - Araguaína-TO,  trata de um exemplo concreto, sendo até guia, Almeida demonstra como a história local de uma cidade e seu território ambiental (no caso, o rio Lontra em Araguaína-TO) podem ser usados como ponto de partida para discutir a poluição e as transformações ambientais ao longo do tempo. A pesquisa usou uma abordagem qualitativa-quantitativa e o método de pesquisa-ação, envolveu estudantes na investigação, produção de material pedagógico e disseminação de conhecimentos para sensibilizar a comunidade para a causa ambiental. O trabalho resultou na criação de um Guia de Orientação em formato e-book (PDF) para auxiliar na sala de aula, apresentando uma estratégia de ensino de oito etapas. Uma atividade muito legal, integrando a História Ambiental, História Local,  onde o aluno vive, com questões ambientais mais amplas.

O segundo texto foi o trabalho de Stephany Beatriz de Souza Silvestre, História e meio ambiente: ensino de história ambiental na educação básica e suas possibilidades, que realiza uma análise sobre o surgimento da História Ambiental como campo de estudo, suas problemáticas e as possibilidades de sua inclusão na educação básica. Silvestre destaca a importância de superar o antropocentrismo (visão de que o ser humano é o centro de tudo e o principal causador de problemas ambientais), reconhecendo que a natureza também é um agente ativo na história. O artigo reforça a necessidade da interdisciplinaridade, incentivando o diálogo entre História e outras áreas como Biologia, Química e Geografia para uma compreensão mais completa. Além disso, aponta os marcos legais e educacionais que apoiam a inclusão da História Ambiental, como a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (1981), a Lei da Educação Ambiental (1999) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que preveem a análise de processos ambientais em diferentes escalas. 

A terceira fonte é de Evandro Cardoso do Nascimento, O ensino de história ambiental na educação básica: uma Aula-Oficina sobre a pré-história, apresenta uma metodologia para o ensino de História Ambiental através de "Aula-Oficina", aplicada a estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental. Ele explica uma metodologia ativa e participativa, a Aula-Oficina, que transforma a sala de aula em um espaço de produção de conhecimento. O estudo mostra como utilizar fontes históricas não-tradicionais, como as pinturas rupestres do Parque Nacional Serra da Capivara, para reconstruir ambientes naturais do passado (paleoambiente) e discutir sobre as mudanças climáticas. A abordagem visa ao desenvolvimento da consciência histórica genética dos estudantes, fazendo-os perceber que o meio ambiente não é estático e que as experiências humanas ocorrem em constante interação com o mundo natural, conectando passado, presente e futuro. A Aula-Oficina valoriza o conhecimento prévio dos alunos, a interpretação de fontes e a produção de narrativas históricas, tornando o aluno protagonista de sua aprendizagem.

É um tema muito interessante, o ensino de Historia Ambiental, e essa dimensão é fundamental em muitas outras análises. Como exemplo a política do café com Leite, os ciclos econômicos, isso tudo leva um pouco de natureza como elemento norteador e agente de transformação da história. Integrar a História Ambiental no ensino é não só possível, mas necessário! A história do Brasil pode ser compreendida de forma mais completa e significativa através da lente da História Ambiental, pois nossa história é movida em muitos momentos por elementos naturais, como o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro, o café e, mais recentemente, a agropecuária e a mineração, não apenas moldou a economia, mas também definiu as estruturas sociais, os conflitos territoriais e a própria identidade nacional. Essa abordagem evidencia que a natureza não foi meramente um palco ou recurso passivo, mas um agente ativo que influenciou decisões políticas, rotas de expansão e até mesmo a resistência de povos indígenas e comunidades tradicionais, desvendando as raízes profundas dos desafios socioambientais contemporâneos.

Para fazer um aula de História Ambiental comece pelo local e o cotidiano dos estudantes, identifique problemas locais, explorando questões ambientais presentes na comunidade, como a poluição de um rio próximo, o desmatamento de uma área verde ou problemas com o lixo. Pode ser explorada a memória dos mais velhos, e a participação dos estudantes torna o aprendizado mais significativo, pois os alunos se conectam com a realidade em que vivem. Conecte a história da escola e da cidade, e para isso realize uma pesquisa com os estudantes identificando a história do bairro, da escola ou do município. Muitas cidades surgiram e se desenvolveram em torno de rios ou florestas, e suas histórias estão entrelaçadas com as transformações ambientais. Monte uma cronologia e verifiquem como o ambiente se transformou. Debata os resultados em sala, monte um exposição!

É possível desenvolver diversas atividades de ensino de História Ambiental estando integrada a outros componentes circulares, assim dialogue com outras disciplinas para integrar o seu projeto, isso é importante para a História Ambiental, e procure parcerias com professores de Biologia, Geografia, Química e até de Artes. Discutir temas ambientais sob diferentes perspectivas enriquece o aprendizado e oferece uma compreensão mais completa. Use documentos curriculares como a BNCC e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU já oferecem diretrizes para a abordagem de temas ambientais e a integração entre diferentes áreas do conhecimento. 

Com os estudantes utilize Metodologias Ativas e diversos tipos de fontes. Metodologias como Pesquisa-Ação e Aula Oficina, como olhamos no estudo acima,  possibilitam engajar os alunos em projetos de pesquisa, onde eles são os protagonistas, incentivando os estudantes a investigar, coletar dados, produzir materiais e disseminar o conhecimento. E é claro, diversifique nas fontes, vá além dos livros didáticos e utilize fotos antigas, mapas, relatos de viajantes, jornais, documentos governamentais, mitos, lendas e até pinturas rupestres. Essas fontes podem revelar como as sociedades do passado interagiam com a natureza e como os ambientes mudaram. Vídeos e simuladores virtuais de ecossistemas também são recursos didáticos valiosos. Se possível, leve os alunos para fora da sala de aula. Visitas a áreas protegidas, rios ou locais históricos na comunidade podem enriquecer a experiência e a percepção ambiental.

Ajude os estudantes a entender que as transformações ambientais não são um fenômeno recente, mas parte de um processo histórico contínuo. Como vimos em um dos estudos acima, a poluição do rio Lontra, por exemplo, tem raízes em eventos como a construção de rodovias e usinas hidrelétricas décadas atrás. Desafie a ideia de que a natureza é apenas um pano de fundo para a ação humana. Mostre como fenômenos naturais (clima, relevo, hidrografia) influenciam e são influenciados pelas sociedades. 
Ao compreender as causas históricas dos problemas ambientais, os alunos podem desenvolver um senso de responsabilidade e propor soluções para o presente e o futuro, tornando-se cidadãos mais atuantes. Assim ensinar História Ambiental é uma oportunidade de construir um conhecimento mais completo e significativo, capacitando os estudantes a serem agentes de mudança em um mundo que exige cada vez mais sensibilidade e compromisso com a preservação do meio ambiente.

Fontes:




domingo, 24 de agosto de 2025

História Ambiental e as guerras: uma dimensão necessária


Imagem gerada com IA

Quando nossos estudantes de História pensam a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), os temas que aparecem são batalhas, armas, tecnologias, as destruições causadas, o nazifascismo, o Holocausto e as bombas atômicas etc... No entanto, muitas vezes se esquecem dos problemas ambientais decorrentes desses fatores, tanto na produção material que gera a guerra, quanto nos resultados da guerra na transformação das paisagens, nas contaminações geradas pela indústria bélica e nos impactos provocados pelo conflito em si ao longo da história. Vale ressaltar, portanto, que, uma vez que hoje muitos historiadores apontam para a Era do Antropoceno, é necessário, como professores de História ou acadêmicos da área, considerar também a dimensão ambiental.

Quando olhamos a produção de História sobre a guerras os estudos geralmente privilegiaram aspectos políticos, sociais e militares: grandes generais, batalhas, estratégias e impactos institucionais. Mesmo no grupos de estudos que passam a ser chamados de nova história militar, estudos trataram de temas como gênero, raça e cultura no contexto bélico, e deixou de lado os efeitos ambientais dos conflitos. Foi apenas a partir das décadas de 1980 e 1990, e especialmente após os anos 2000, que os pesquisadores começaram a olhar com mais cuidado para a relação entre guerra e natureza.

Dois livros fundamentais ajudam a compreender como os conflitos armados moldaram não apenas a política e a economia, mas também a relação entre sociedade e natureza. O primeiro é War and Nature: Fighting Humans and Insects with Chemicals from World War I to Silent Spring (2001), de Edmund Russell. Nele, o autor mostra como a fronteira entre o campo de batalha e o campo agrícola foi sendo borrada ao longo do século XX. Os mesmos químicos criados para matar soldados inimigos, como os gases de guerra utilizados na Primeira Guerra Mundial, serviram de base para os pesticidas que passariam a dominar a agricultura moderna. A lógica da guerra, com suas metáforas de inimigos, extermínio e segurança, foi transplantada para o campo, transformando insetos e pragas em “adversários a serem vencidos” e consolidando a quimificação da agricultura no pós-guerra.

O segundo é a coletânea Natural Enemy, Natural Ally: Toward an Environmental History of War (2004), organizada por Richard Tucker e Edmund Russell. A obra reúne pesquisas de diferentes autores sobre como guerras globais afetaram ecossistemas e recursos naturais. O livro mostra, por exemplo, o impacto do esforço bélico sobre florestas, minérios e plantações, bem como a mobilização de recursos estratégicos, como a borracha, a madeira e os alimentos, para sustentar as frentes de combate. A guerra, nesse sentido, não é apenas um evento humano, mas também um fenômeno ecológico que remodela territórios inteiros.

Um outro livro que apresenta um excelente estado da arte é War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age, organizado por Charles E. Closmann em 2009, e reunindo diversas análises no campo das humanidades ambientais, especialmente da História Ambiental, trazendo estudos de caso variados: a devastação florestal nas Filipinas durante a colonização e as guerras; a “Marcha até o mar” de Sherman, que destruiu a base agrícola do sul dos EUA; o impacto ambiental das trincheiras na Primeira Guerra Mundial; as experiências de saúde pública com o uso de DDT na Itália durante a Segunda Guerra; a influência da guerra no manejo de aves migratórias na Califórnia; a memória material da resistência francesa na paisagem dos Alpes; e até o redesenho urbano de cidades bombardeadas, como Berlim e Tóquio. (Clique aqui e baixe esse livro de nossa biblioteca). Nesta obra o fio condutor é colocar a guerra como um agente poderoso de transformação ambiental, com efeitos muitas vezes inesperados e duradouros. É um livro que apresenta uma importante coletânea sobre o estado da arte sobre a História Ambiental da Guerra. Os estudos aqui integram a dimensão ambiental na análise histórica.

Quando vamos ensinar as grandes guerras vale muito uma educação ambiental a partir da análise da História Ambiental das guerras. Podemos realizar trabalhos e pesquisas com nossos estudantes sobre as guerras usando História Ambiental. Por exemplo, analisando o antes do conflito, apontando o que ocorre nesse momento, como as consequências da corrida armamentista, que já consome imensas quantidades de recursos naturais, como metais e combustíveis fósseis. Diversos estudos apresentam informações sobre as consequências dos conflitos,  as batalhas liberam grandes volumes de poluentes e contaminantes, tipo CO₂, gás mostarda, a radiação de bombas, e muitas outras coisas, e também promovem a transformação de paisagens, contaminam solos e águas com metais pesados e explosivos. E, se pensarmos no pós conflitos, podemos abordar os impactos sobre a população, contaminação, o surgimento ou agravamento de doenças, o colapso alimentar, hídrico, e demais fatores que prejudicam a resiliência da natureza, como os impactos da presença militar prolongada e a poluição gerada por esses processos no controle territorial pós guerras. Apontamos inúmeros fatores "negativos", pois são poucos os positivos, e mesmo existindo, ainda á processos de contaminação, mesmo que lenta, como os vestígios de carcaças da guerra, recebem novas funções pelos seres vivos do mar, como exemplo leia essa reportagem: Million dollar waste! Amazing photos reveal the expensive US military equipment dumped at the bottom of the Pacific Ocean after the Second World War because it was too expensive to bring home.

Existe uma diversidade de estudos sobre o tema História e Guerras, por exemplo, no google acadêmico fiz uma busca ao escreves aqui, usando os termos ("Enviromental history" + "Wars"), e como resultados apareceram mais de 80 estudos. Clique aqui e veja. Outras palavras chaves podem ser usadas para ampliar as buscas. Não necessariamente estudos de história feito por historiadores estão na mira, aqui interessa a interconexão com outras áreas, que com seus estudos produzem elementos para a produção de uma narrativa de História Ambiental. 

Agora, focando um pouco sobre a Segunda Guerra Mundial, peguei umas ideias do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente (CEOBS). Sobre o evento da 2GG eles apresentam alguns aspectos interessantes para a análise da História Ambiental. Como a necessidade de produção em massa, relaxou padrões ambientais e deixou como herança áreas altamente contaminadas, conhecidas como “Superfund” nos EUA.  Superfund são antigas bases militares espalhadas pelo mundo e que durante sua existência despejou  resíduos tóxicos, como metais pesados a solventes e óleos, diretamente ao ambiente. A imagem a mostra uma dessas áreas, na legenda um link para uma reportagem.



A guerra não foi travada apenas com armas, mas também com uma infraestrutura, na construção de estradas, portos e pistas de pouso, coisas que eram essenciais para a movimentação de tropas, armamentos e suprimentos. Ao abrir caminhos em florestas ou modificar áreas costeiras, novas rotas também facilitaram a introdução de espécies invasoras, plantas, insetos e pequenos animais, que se espalharam rapidamente e transformaram ambientes inteiros. Em regiões de clima extremo, como desertos, as alterações no solo e a presença militar prolongada aceleraram processos de erosão e degradação. Já em florestas tropicais, a devastação foi ainda mais visível: ilhas do Pacífico, como Iwo Jima e Okinawa, perderam praticamente toda a sua cobertura vegetal durante os combates, resultado da intensa movimentação militar, dos bombardeios e do uso massivo dos recursos naturais (CEOBS).

O uso de substâncias como CFCs (mais tarde ligados à destruição da camada de ozônio) e pesticidas como o DDT marcou a época. Ao mesmo tempo, milhões de hectares de florestas foram devastados na Europa, Rússia e Filipinas, deixando cicatrizes na biodiversidade. A descoberta e uso das armas atômicas inauguraram uma era de riscos radioativos. Testes nucleares posteriores liberaram materiais que contaminam solo, água e cadeias alimentares até hoje. Milhões de toneladas de resíduos radioativos se tornaram uma herança de difícil gestão para gerações futuras. Bombardeios criaram crateras que se tornaram criadouros de mosquitos, agravando a malária na Itália. Já o uso massivo de DDT para conter epidemias como o tifo transformou ecossistemas inteiros, afetando não apenas mosquitos, mas também peixes, aves e abelhas. Milhões de toneladas de entulho alteraram a geografia das cidades europeias. Em Berlim, por exemplo, seis anos após o fim da guerra ainda restavam 25 milhões de m³ de destroços. Muitas dessas ruínas foram reutilizadas para aterros, parques e remodelação urbana (CEOBS).

E no Brasil, de que forma podemos analisar a Segunda Guerra
 com a lupa da História Ambiental? 

A resposta desta pergunta produz uma bela aula de História Ambiental da Segunda Guerra Mundial e da Era Vargas. Pode ser usada na 9.série ou 2 ou 3 ano do EM. É contexto da 2GG, o Brasil, mesmo longe da linha de frente, foi profundamente integrado à engrenagem do conflito. Se, de um lado, nossa participação é lembrada pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, de outro, podemos integrar a História Ambiental para analisar de que forma o país participa do processo como produtor de matéria-prima e mercadorias, e o impacto  impacto ambiental decorrente em nosso território.

O lance é compreender como a natureza foi mobilizada e transformada em recurso estratégico para a guerra. No caso brasileiro na sala de aula podemos usar o caso da “Batalha da Borracha” na Amazônia e a intensificação da mineração de ferro, que fez os EUA auxiliar o polo industrial no pais.

Imagem gerada com IA
Durante a guerra, com a ocupação japonesa no Sudeste Asiático, os Aliados perderam acesso à principal região produtora de borracha do planeta. O material era indispensável para pneus, aviões e equipamentos militares. É aí que entre o Brasil, para a assumir um papel estratégico no abastecimento dos Estados Unidos. Com isso ocorre a Batalha da Borracha, um acordo entre Getúlio Vargas e Washington que recrutou e encaminhou milhares de trabalhadores nordestinos, os chamados “soldados da borracha”, para os seringais amazônicos. Com isso ocorre aumento da exploração, prejudicando a floresta, ao mesmo tempo migrações, e com elas diversos problemas aos que ficam, e aos que vão, assim como para os ambientes. No front de exploração da atividade da borracha, a pressão sobre a floresta prejudicou sua resiliência, e passou haver necessidade de abertura de novas áreas de coleta e a concentração de trabalhadores em determinados pontos causaram desmatamento, degradação e desequilíbrio no ecossistema. Com o fim da guerra e a retomada da produção asiática, a borracha brasileira perdeu relevância e isso aparece nos livros didáticos. 

Além da borracha, o momento histórico do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial também evidencia o papel do ferro no desenvolvimento industrial. A produção de ferro envolve um processo complexo, que gera grandes impactos ambientais e sociais. Durante o conflito, o país tornou-se um importante fornecedor do minério para os Estados Unidos, o que impulsionou avanços na siderurgia nacional por meio do intercâmbio entre os dois países. 

Esse movimento levou à criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), fruto dos acordos entre o governo Vargas e os norte-americanos. O objetivo era claro: garantir o fornecimento de aço para armas, veículos e navios dos aliados. Esse processo consolidou a mineração e a siderurgia como motores da industrialização brasileira, mas também intensificou impactos ambientais já conhecidos: desmatamento, alteração de paisagens e poluição hídrica decorrente da atividade mineradora.


Além desses casos, há muitos outros exemplos. No Vale do Itajaí, por exemplo, a indústria madeireira expandiu sua atuação ao firmar acordos comerciais com os EUA. Isso levou a uma exploração ainda mais intensa das florestas, incluindo espécies como a canela-sassafrás, utilizada para a produção de safrol. Esses exemplos mostram que, mesmo distante das frentes de combate, o Brasil participou do esforço de guerra por meio da exploração intensiva de seus recursos naturais — e com isso deixou também uma marca na sua História Ambiental.

A Segunda Guerra Mundial não pode ser compreendida apenas como um evento político e militar. Foi também uma guerra contra a natureza. A mobilização de recursos, como a borracha da Amazônia, o ferro das minas brasileiras, a madeira do Vale do Itajaí ou o petróleo do Oriente Médio, etc, mostra que os conflitos armados não se sustentam sem transformar profundamente os ambientes. Estradas, portos, pistas de pouso, indústrias e minas não desapareceram após 1945 e são objetos de estudo assim como  cicatrizes ambientais que persistem até hoje.

É por isso que a História Ambiental é fundamental no ensino e na pesquisa histórica. Ela permite que enxerguemos os processos de destruição ecológica não como efeitos colaterais da guerra, mas como parte estrutural de sua lógica. A devastação de florestas, a contaminação de solos e águas, o uso de químicos e metais pesados, a exploração de trabalhadores e territórios, tudo isso produziu prejuízos que atravessam o tempo e ainda recaem sobre o presente.

Para nós, historiadores e professores, integrar a dimensão ambiental no estudo das guerras é mais do que ampliar os temas tratados em sala de aula: é revelar que a disputa pelo controle, uso e modificação dos elementos da natureza é um dos motores centrais da guerra. E, ao mesmo tempo, é uma chave para pensar criticamente os dilemas ambientais do mundo contemporâneo. Afinal, compreender a destruição do passado é condição necessária para construir alternativas mais sustentáveis e evitar que os conflitos de amanhã repitam as catástrofes ambientais de ontem.

Referências que pesquisei e delas extrai algumas informações para compor o texto

BANKOFF, G. (2009). Wood for War: The Legacy of Human Conflict on the Forests of the Philippines, 1565–1946. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 32–48). Texas A&M University Press.

BRANTZ, D. (2009). Environments of Death: Trench Warfare on the Western Front, 1914–1918. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 68–91). Texas A&M University Press.

BRADY, L. M. (2009). Devouring the Land: Sherman’s 1864–65 Campaigns. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 49–67). Texas A&M University Press.

CEOBS. (2025, May 5). How does war damage the environment? The Conflict and Environment Observatory. Disponível em: https://ceobs.org/how-does-war-damage-the-environment/

DAILY MAIL. (s.d.). Million Dollar Point site where the US army dumped expensive equipment after WW2 pictured. Daily Mail Online.

DIEFENDORF, J. M. (2009). Wartime Destruction and the Postwar Cityscape. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 171–192). Texas A&M University Press.

HALL, M. (2009). World War II and the Axis of Disease: Battling Malaria in Twentieth-Century Italy. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 112–131). Texas A&M University Press.

HASSAN, M. (s.d.). The Environmental Impact of WWII. Middle East Theater. Disponível em: The Environmental Impact of WWII. Acesso 24/08/2025.

LAAKKONEN, S. (2017, April 21). Today’s environmental problems sparked by World War II. University of Helsinki. Disponível em: Today’s environmental problems sparked by World War II Acesso em 24/08/2025.

MCNEILL, J. R., & PAINTER, D. S. (2009). The Global Environmental Footprint of the U.S. Military, 1789–2003. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 10–31). Texas A&M University Press.

PEARSON, C. (2009). Creating the Natural Fortress: Landscape, Resistance, and Memory in the Vercors, France. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 150–170). Texas A&M University Press.

RAI, M. V. (2022, June 27). The Impact of War on Our Natural Environment. FAWCO. Disponível em: The Impact of War on Our Natural Environment Acesso 24/08/2025.

UEKÖTTER, F. (2009). Total War? Administering Germany’s Environment in Two World Wars. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 92–111). Texas A&M University Press.

WILSON, R. (2009). Birds on the Home Front: Wildlife Conservation in the Western United States during World War II. In C. E. Closmann (Ed.), War and the Environment: Military Destruction in the Modern Age (pp. 132–149). Texas A&M University Press.

Sites que consultei:

War on the land : an environmental history of the Second World War and its aftermath in South Eastern France, 1939-1945




The Environmental Impact of WWII

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Novos projetos de Iniciação Científica aprovados pelo PIBIC/CNPq.

É com satisfação que comunicamos a aprovação de dois projetos de Iniciação Científica junto ao PIBIC/CNPq. Com as atividades continuamos a mais de 20 ano realizando iniciações científicas o que fortalece o grupo e a área na instituição. Os projetos foram aprovados nos editais (Edital 06/2025 -
PROPEX - PIBIC/CNPq - Apoio a projetos de pesquisa de Iniciação Científica; e Edital 08/2025 PROPEX - Programa Institucional de Iniciação Científica no Ensino Médio - PIBIC-EM/CNPq), pelo professor Gilberto. 

O primeiro deles é o projeto “A divulgação científica de História Ambiental nas redes sociais: investigando a produção dos grupos de pesquisa do Sul e Sudeste (Ano 2)”, que dá continuidade às investigações do projeto-guarda-chuva A divulgação científica nas redes sociais, é coordenado pelo professor Martin. Ele será desenvolvido por dois estudantes do 2º ano do Ensino Médio da Escola Técnica do Vale do Itajaí, sob orientação do Martin, que acompanha os jovens pesquisadores na própria escola como professor e orientador de IC.

Na graduação, tivemos aprovado o projeto “História ambiental e desenvolvimento regional da agropecuária no Vale do Itajaí (SC) na primeira metade do século XX”, vinculado ao projeto-guarda-chuva Agricultura e pecuária: história ambiental e desenvolvimento regional no Vale do Itajaí (SC), coordenado por Gilberto. As orientações serão realizadas em conjunto entre os professores Martin e Gilberto, fortalecendo a troca de experiências entre docentes e discentes.

Também está em desenvolvimento o projeto coordenado por Nelson, junto ao NEAB-FURB: “As comunidades quilombolas em Santa Catarina: o estado da arte, seus temas e a valorização das suas manifestações étnico-culturais”. O projeto em desenvolvimento com um estudante da graduaçao, busca mapear, compreender e valorizar a presença quilombola no estado, destacando suas lutas, saberes e expressões culturais. Além de contribuir para a preservação da memória e identidade dessas comunidades, a iniciativa também reforça a importância do reconhecimento e da valorização da diversidade étnica em Santa Catarina.

Esses resultados reforçam a importância da inserção de estudantes da educação básica e superior em atividades de investigação científica, aproximando ensino e pesquisa e ampliando os olhares sobre a História Ambiental no Vale do Itajaí.

sábado, 2 de agosto de 2025

Antropoceno: um novo problema para a História Ambiental!

Você já parou para pensar em como nossas ações estão moldando o futuro do planeta?

O termo Antropoceno tem ganhado cada vez mais destaque, não só na ciência, mas também em nosso dia a dia, para descrever uma nova era geológica em que a humanidade se tornou uma força transformadora em escala planetária. Mas o que isso realmente significa para nós e para a forma como contamos a nossa própria história?

Para aprofundar essa discussão e trazer luz a um debate complexo e multifacetado, temos o prazer de apresentar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Graduação em História, intitulado Antropoceno: um novo problema para a História Ambiental, de autoria de Desirée de Paula Irussa Martins. Realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob a orientação do Professor Dr. Alfredo Ricardo Silva Lopes.

A pesquisa de Desirée de Paula Irussa Martins surge de uma inquietação pessoal e de um desejo de compreender a fundo a crise climática e suas prováveis consequências irreversíveis. O objetivo principal é localizar historicamente o debate sobre o Antropoceno e oferecer uma compreensão a partir dos preceitos teórico-metodológicos da História Ambiental. 

O estudo reconhece que, embora todos compartilhemos as consequências das transformações globais, a participação ativa e as responsabilidades nos processos que as causaram não são equitativas. A autora questiona a ideia de uma "humanidade" genérica, defendendo que é crucial identificar os sujeitos e decisões reais que levaram às perturbações ambientais. A pesquisa aponta que a narrativa inicial e dominante do Antropoceno, ao elevar o "antropos" (humano) a um agente coletivo, obscurece desigualdades e responsabilidades históricas. Ela defende que esta compreensão influencia as "soluções" propostas (como mitigação e geoengenharia) que podem não abordar as raízes sistêmicas do problema. 

O trabalho se aprofunda em narrativas alternativas ao Antropoceno, como o Chthuluceno de Donna Haraway e o Negroceno de Malcom Ferdinand. Com isso a autora buscou descentralizar o excepcionalismo humano, propondo a "simpoiése multiespécie" – a criação e colaboração entre múltiplos agentes, humanos e não humanos. Também revela as raízes coloniais e escravistas da crise ecológica, conectando a destruição ambiental à dominação colonial e ao racismo ambiental, defendendo que as lutas antirracistas e ecológicas são inseparáveis. A autora propõe pensar o Antropoceno como um cronotopo, um conceito que articula tempo e espaço em uma narrativa. Isso permite entender que a forma como nomeamos e narramos essa era tem implicações éticas e políticas, moldando nossa compreensão da crise e os caminhos que tomaremos.

Para Desirée, o estudo da História Ambiental e a busca por "cronotopos outros" (outras narrativas) são essenciais para combater a "crise imaginativa" de futuros melhores que sua geração enfrenta. A pesquisa busca não nos paralisar, mas sim possibilitar a criatividade de ação e a construção de mundos mais justos. O trabalho não defende a extinção do termo Antropoceno, que é reconhecido como útil para expandir o debate para além dos muros acadêmicos. Em vez disso, ele argumenta pela necessidade de expandir a significação do conceito, abraçando a multiplicidade de narrativas que se complementam, como os "tentáculos" de Donna Haraway e a ideia de "criar mundos" de Malcom Ferdinand.

Este TCC é um convite à reflexão crítica sobre o nosso presente e a um engajamento mais consciente na construção do futuro. Ele mostra como a História Ambiental, ao romper com visões dualistas e buscar a complexidade ambiental, é fundamental para compreender as interconexões entre sociedade e natureza, poder e cultura. Acompanhe nosso blog para mais insights sobre este tema vital!

Fonte: 
MARTINS, Desirée de Paula Irussa. Antropoceno: um novo problema para a História Ambiental. 2025. 41 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Departamento de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2025.
Disponível em: 
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/266533/TCC%20Desir%c3%a9e%20%28vers%c3%a3o%20final%29%20%284%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Acesso em: 27/07/2025

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Mata Atlântica e herança negra: um mergulho na História Ambiental do Parque Estadual dos Três Picos!

Você sabia que grande parte da realidade ecológica do Parque Estadual dos Três Picos (PETP), no Rio de Janeiro, possui uma profunda herança cultural negra? 

Um estudo recente, História ambiental das populações africanas no Parque Estadual dos Três Picos, Rio de Janeiro, de Wallace Marcelino da Silva, Carlos José Saldanha Machado e Rodrigo Machado Vilani, revela como a influência dos povos africanos escravizados moldou as paisagens da Mata Atlântica fluminense, desafiando a visão eurocêntrica da nossa história ambiental.

O estudo inicia apresentando a História Ambiental como um campo de estudo que surgiu na década de 70, buscando entender a relação constante entre as sociedades humanas e o mundo biofísico ao longo do tempo e do espaço. Essa área reconhece a natureza como um agente histórico fundamental, e não apenas um cenário passivo. No entanto, mesmo no Brasil, um país de maioria negra, ainda há poucos pesquisadores negros atuando nesse campo. Este estudo, portanto, é uma contribuição vital para preencher essa lacuna e reafirmar a importância das populações negras na preservação do bioma Mata Atlântica. O Parque Estadual dos Três Picos - PETP, é a maior unidade de conservação de proteção integral no estado do Rio de Janeiro, abrangendo cerca de 65.000 hectares em cinco municípios: Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Teresópolis, Nova Friburgo e Silva Jardim. Além de ser um centro de rica diversidade ecológica, cultural e geodiversidade, com espécies ameaçadas e endêmicas, suas nascentes e florestas são cruciais para a população da região.

https://www.scielo.br/j/asoc/a/YGhPNzy67BLKGWRFJMGgm9j/?format=pdf&lang=pt


A pesquisa, de abordagem qualitativa, buscou descrever e analisar a influência africana no PETP. Utilizando levantamentos bibliográficos e documentais, ela investigou como a paisagem do parque foi moldada desde os tempos dos "Sertões de Macacu" (século XVIII) e qual a importância dessa realidade biocultural negra para o PETP hoje. O Brasil recebeu o maior contingente de africanos para fins de escravização nas Américas. Esses povos, ao chegarem em terras desconhecidas, interagiram e modificaram as paisagens, deixando um legado duradouro. 

O estudo destaca diversas formas dessa influência:

• Os africanos trouxeram consigo plantas que hoje fazem parte da nossa paisagem e cultura alimentar. Podemos citar o café, o quiabo, o inhame, a mamona e diversas espécies de gramíneas. Essas gramíneas, por exemplo, adaptaram-se e hoje dominam vastas áreas de pastagens no PETP, muitas vezes conferindo um aspecto semelhante às savanas africanas. Outras árvores emblemáticas como o baobá e o flamboyant também vieram com eles, interligadas às conexões culturais e religiosas como o candomblé.
• Além das plantas, vieram métodos de cozimento, técnicas de mineração e ferraria, e um vasto conhecimento tradicional. Essas trocas, chamadas de intercâmbios bioculturais, foram fundamentais para a história alimentar do Brasil.
•  As paisagens foram africanizadas pelas práticas agrícolas e pela presença dessas plantas, integrando-se à biota nativa. Isso é visível até hoje em quintais de pequenos camponeses e terreiros de religiões de matriz africana, que abrigam uma rica diversidade de plantas nativas e africanas.
• Diante da escravização, os africanos resistiram através da formação de quilombos e mocambos nas florestas da região. Nestes locais, eles mantinham seus modos de vida, com caça, pesca e cultivo de plantas conhecidas de suas terras de origem, formando pequenos comércios à margem da economia colonial. As áreas de difícil acesso do parque, como Macaé de Cima, ainda guardam vestígios desses antigos refúgios negros.
• O estudo adota a perspectiva do Capitaloceno, que questiona a ideia de uma "Era do Homem" (Antropoceno) e aponta a construção do capitalismo e as atividades econômicas coloniais como as verdadeiras causas das crises ecológicas e da exploração de povos e da natureza. Os africanos e a natureza foram "ferramentas" da expansão do capital global, em processos que resultaram em "holocaustos coloniais".

https://www.scielo.br/j/asoc/a/YGhPNzy67BLKGWRFJMGgm9j/?format=pdf&lang=pt

Apesar da devastação imposta pela escravização e pelas monoculturas de cana-de-açúcar e café, que exigiram uma enorme quantidade de mão-de-obra escravizada e desmatamento, a floresta renasceu em muitas áreas, especialmente nas partes mais altas do parque. Hoje, a influência africana no PETP se manifesta não só na floresta e em suas espécies, mas também nas expressões culturais e nos modos de vida das comunidades locais, muitos deles descendentes diretos dos escravizados. Esses territórios negros evidenciam a sobrevivência e a resistência cultural afrodiaspórica que desafiou e sobreviveu ao sistema colonial. No entanto, essas paisagens valiosas e as populações camponesas, muitas delas de origem negra, enfrentam novas ameaças: o avanço de condomínios de luxo, empresas de água mineral, atividades industriais e o turismo desordenado, que colocam em risco tanto a Mata Atlântica quanto sua rica herança cultural.

Este estudo é uma importante ferramenta para que as visões afrodiaspóricas da História Ambiental reafirmem a relevância das populações negras na preservação da Mata Atlântica. É um convite para olharmos a natureza ao nosso redor com outros olhos, reconhecendo as histórias e culturas que a moldaram.

Referências do estudo: DA SILVA, Wallace Marcelino; MACHADO, Carlos José Saldanha; VILANI, Rodrigo Machado. História ambiental das populações africanas no Parque Estadual dos Três Picos, Rio de Janeiro. Ambiente e Sociedade. Vol. 28, 2025. 

Disponível em: 
<https://www.scielo.br/j/asoc/a/YGhPNzy67BLKGWRFJMGgm9j/?format=pdf&lang=pt>. 
Acesso em 27/07/2025.

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Blog faz 16 anos

O blog do GPHAVI (Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí) funciona há 16 anos, é um Programa de Extensão Permanente,  como uma plataforma digital central para a divulgação e discussão de temas da história ambiental, com foco na região do Vale do Itajaí. Dedicado a História Ambiental, o blog dissemina o conhecimento científico, publicando artigos, resultados de pesquisas e reflexões de seus membros e colaboradores. Isso é fundamental para tornar a pesquisa acadêmica mais acessível ao público, contribuindo para a educação e a conscientização sobre as complexas relações entre as sociedades e o meio ambiente ao longo do tempo. Além disso, o blog promove as atividades do grupo, divulgando projetos de pesquisa, chamadas para iniciação científica (como PIBIC-CNPq) e celebrando marcos importantes, a exemplo do 21º aniversário do GPHAVI. Essa atuação reforça a visibilidade do grupo, atrai novos pesquisadores e estimula a colaboração.

Como um espaço virtual, o blog aborda criticamente questões ambientais, tanto atuais quanto históricas. Ele explora temas como as ameaças ao Parque Nacional da Serra do Itajaí, a influência do clima e da imigração no Vale do Itajaí do século XIX, e o impacto ambiental da colonização alemã na região. Com isso, contribui para a compreensão das raízes históricas dos desafios ambientais de hoje e para a formulação de soluções mais informadas. Com isso colabora ao enfatizar o papel da história ambiental na educação e sua conexão com questões sociais mais amplas, como direitos trabalhistas e conservação da biodiversidade, mostrando a relevância interdisciplinar desse campo do conhecimento.


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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Uma viagem no tempo e no território: explorando as colônias alemãs do Sul do Brasil em 1936

Olá, amantes da história e do meio ambiente! Hoje, vamos mergulhar em um texto fascinante, parte da obra Im Kamp und Urwald Südbrasiliens: Ein Skizzenbuch zur Siedlungs- und Deutschtumskunde, de Hugo Grothe, especificamente a última parte de um subcapítulo, traduzida por Sonia Maria Wittmann e publicada como No Campo e na Mata Virgem do Sul do Brasil na revista Blumenau em Cadernos (tomo 51, n. 4, p. 1-128, jul./ago. 2010). Este relato nos transporta para 1936, acompanhando a viagem de Grothe e seu filho Olaf pelas terras catarinenses. Mas não vamos apenas recontar a história. A partir da abordagem da História Ambiental, tendo como ponto de partida  Donald Worster, José Augusto Pádua e John McNeill, vamos entender como o ambiente moldou (e foi moldado por) a experiência dos colonos alemães no sul do Brasil.

A narrativa de Grothe é rica em detalhes e oferece um panorama da vida, das lutas e das aspirações dos colonos alemães da época. Começa descrevendo sua chegada à colônia menonita de Witmarsum, no alto Krauel, onde alemães-russos se estabeleceram. Ele nota a paisagem montanhosa e os riachos como o ribeirão Alto Krauel, e a "confusão de tocos de árvores nos campos", indicando a proximidade da colonização menonita. A recepção é calorosa, com os moradores exibindo "verdadeira alegria de uma visita da terra alemã". Ele testemunha a organização comunitária, com um moinho já instalado e o transporte de derivados de leite para Hammonia e Blumenau apenas dois anos e meio após o início dos trabalhos. A disciplina e a perseverança são notáveis, e a comunidade demonstra grande preocupação com a educação, com dois grandes prédios escolares. Ao final de sua fala, um "viva para a antiga Pátria alemã" é entoado com profundo sentimento.

Apesar dos esforços, Grothe também percebe "luzes bem turvas" no quadro cultural dos descendentes de alemães em Santa Catarina. Ele visita uma escola rústica perto de Timbó, onde 40 crianças de imigrantes pomeranos aprendem com um colono que atua como professor por "amor à causa". Grothe se impressiona com o "grande número de crianças dos colonos alemães" (muitas famílias com 15, 16, 17 ou 18 filhos), o que ele considera uma "força vital extraordinária" e uma ajuda valiosa no trabalho rural. Contudo, a carência de material de leitura em alemão é evidente, limitando-se a Bíblias, livros de canto, almanaques e, ocasionalmente, um jornal local. A situação se agrava quando ele percebe que as crianças não conhecem contos de fadas alemães como "Joãozinho e Maria" ou "Chapeuzinho Vermelho", evidenciando a "total submersão da cultura alemã entre a terceira geração de imigrantes". Ele aponta a necessidade de um "imenso trabalho de ressurreição intelectual e psíquico", mencionando o "Lesepatenwerkes", uma iniciativa do "Terceiro Reich" de envio de material pedagógico para alemães no exterior.

A jornada de Grothe segue o rio Itajaí-Açu até Itajaí, um porto histórico para a colonização alemã. A região, com extensas plantações e pastagens, demonstra a transformação da paisagem ao longo do rio. Itajaí é apresentada como uma cidade abastada e um importante porto de transbordo, escoando produtos como milho, arroz, feijão, e madeira de seu "Hinterland" (Blumenau, Brusque, Rio do Sul, Taió). A navegabilidade limitada da barra do rio (apenas navios de até 3,7m de calado) mostra um desafio natural à expansão do comércio. Grothe observa o "caráter alemão de Itajaí", apesar da dispersão da população, e destaca figuras importantes de origem alemã que atuaram na política local e nacional.

Nos meses quentes, colonos de Blumenau buscam o litoral. Cabeçudas e Camboriú são os balneários preferidos, descritos como aglomerações de casas de madeira e cabanas de pescadores, com areia macia e recifes de granito. Grothe relata a presença de "feridas de aclimatação" em crianças e mulheres, erupções cutâneas que duram meses, atribuídas a picadas de moscas venenosas pela população local e sem tratamento eficaz conhecido pelos médicos, sendo a limpeza o único alívio. Este é um indicador claro dos desafios de adaptação humana ao novo ambiente ecológico.

A viagem é marcada por dificuldades, como a ineficácia dos serviços telegráficos, que levam à perda de passagens e redução drástica de recursos. A jornada de Grothe culmina com um voo de Joinville, cidade que ele admira pela forte presença de nomes alemães em placas comerciais e arquitetura que "lembram a pátria". Ele destaca a vibrante vida comunitária alemã, com clubes, bombeiros voluntários, hospital alemão e diversas sociedades, além do "Kolonie-Zeitung", considerado o jornal brasileiro mais antigo. Joinville e Blumenau são descritas como rivais na busca por ser o modelo de trabalho e formação alemã em Santa Catarina.

Ao analisar com a História Ambiental este trecho de Grothe, percebemos que suas observações, embora centradas na cultura e na colonização alemã, revelam muito sobre a interação humana com a natureza. Primeiro, ele não apenas descreve o ambiente, mas mostra como ele é um "cenário ativo da colonização". A "mata virgem" impõe desafios e oferece recursos, moldando os trajetos e as possibilidades dos colonos. A presença de tocos de árvores nos campos e a adaptação a solos pedregosos em Witmarsum ilustram um ambiente que está sendo transformado pela ação humana, mas que também resiste e impõe limites. A própria ideia de "avançar logo mato adentro" revela uma relação de constante desafio e superação com a floresta. 

Segundo, a vida nas colônias alemãs e descrita intrinsecamente ligada à agricultura familiar, à criação de gado leiteiro e ao uso coletivo de infraestrutura como o moinho. O trabalho é intensivo, com crianças e famílias integradas precocemente à produção rural, cuidando de porcos e trabalhando no campo. Isso aponta para uma economia camponesa de subsistência, com tentativas de inserção mercantil através da venda de derivados de leite.

Terceiro, a narrativa projeta uma visão idealizada do "espírito alemão", enfatizando a perseverança e o trabalho. A natureza, neste contexto, é vista como um espaço a ser civilizado, domado e cultivado. Há uma clara oposição entre a "mata virgem" e o "trabalho alemão", sugerindo que a floresta é um obstáculo a ser superado para a manifestação da ordem e progresso germânicos. 

Quarto, o seu relato nos situa em 1936, um momento de consolidação das colônias alemãs. Ele descreve o avanço da fronteira agrícola e o desmatamento contínuo. No entanto, sua visão eurocêntrica e nacionalista oculta desigualdades e processos de exclusão. A ausência completa de menção a povos originários, caboclos ou afrodescendentes que habitavam ou influenciaram a paisagem é um silenciamento revelador de "outras histórias da paisagem". Mesmo a precariedade material de algumas escolas é subordinada a um elogio da perseverança, escamoteando uma crítica social mais profunda. A paisagem modificada, as construções em estilo germânico e os nomes dos rios são apresentados como parte da construção de um "mundo alemão tropical", onde o ambiente se torna palco para a recriação da pátria.

Quinto, podemos identificar no trecho referências a impactos ambientais. A presença de "tocos de árvores nos campos" demonstra o desmatamento. A descrição das "feridas de aclimatação" que afetam crianças imigrantes (como o filho de Grothe, Olaf) e mulheres é um indicador direto dos efeitos da transposição de corpos humanos para um novo ambiente ecológico. A construção de infraestruturas, como o moinho e as pontes, e a modificação de cursos de água para a navegação (no rio Itajaí-Açu) também são exemplos de transformações ecológicas. 

E um sexto ponto a considerar é que Grothe demonstra como os colonos se inserem em sistemas de produção e circulação que transcendem o local. O moinho, o transporte de leite e a tentativa de expandir a ferrovia conectam as colônias a sistemas mais amplos de energia e mercadorias. A descrição do porto de Itajaí, dos vapores da "Companhia de Navegação Hoepcke" e da aspiração por uma ligação ferroviária com Blumenau revelam interconexões entre as colônias e os centros exportadores, sendo parte de uma economia global. As referências à cultura alemã, as políticas culturais do "Terceiro Reich" e o envio de materiais pedagógicos pelo "Lesepatenwerk" conectam o Sul do Brasil a um projeto cultural transnacional, mostrando a mobilidade em escalas espaciais e temporais.

A leitura do texto de Hugo Grothe nos permite ir além do mero relato de viagem. É uma fonte que trata a natureza não como pano de fundo, mas um ator fundamental que interage com os modos de produção, as percepções culturais e as transformações ecológicas. Percebemos as complexas relações socioambientais, as desigualdades intrínsecas e as conexões das colônias locais com escalas globais de migração, cultura e economia. Assim, o relato de 1936 de Grothe se torna um valioso documento para compreender não apenas a história da colonização alemã no Brasil, mas também a história ambiental do território catarinense, suas modificações e os desafios de aclimatação e coexistência cultural em um "mundo alemão tropical".

domingo, 20 de julho de 2025

Clima e imigração no Vale do Itajaí no século XIX

Imagem gerada com IA
Você já parou para pensar nos desafios enfrentados por aqueles que buscam uma nova vida em terras distantes? No século XIX, milhares de imigrantes europeus, principalmente alemães e italianos, embarcaram em uma jornada rumo ao sul do Brasil, especificamente o Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Longe de ser um caminho fácil, a adaptação a um ambiente com características abióticas e bióticas totalmente diferentes de sua terra natal se tornou um dos principais obstáculos.

Vamos explorar aqui o artigo “A influência do clima nos imigrantes europeus do Vale do Itajaí-SC (século XIX)”, de autoria de Gilberto Friedenreich dos Santos, Suzana Beatriz Petters, Juliano João Nazário e Martin Stabel Garrote, publicado na revista científica Ars Historica da UFRJ. A pesquisa se insere nas chamadas Humanidades Ambientais e procura compreender como o clima impactou a vida dos colonos alemães e italianos que se estabeleceram no Vale do Itajaí no século XIX. Com base em cartas de imigrantes, relatórios de administração colonial e relatos de viajantes, os autores analisam o processo de aclimatação dos europeus a um ambiente muito diferente de suas terras de origem.

Inicialmente, o clima representava uma das maiores dificuldades para o estabelecimento e a adaptação dos colonos europeus no Vale do Itajaí. Relatos de viajantes, de Dr. Hermann Blumenau (o empreendedor da colonização da região) e dos próprios imigrantes documentam esse processo de aclimatação. Um exemplo marcante é a experiência de Baumgarten, um imigrante alemão que chegou em junho de 1853. Em uma carta de outubro do mesmo ano, ele descreve as severas dificuldades para trabalhar na roça devido à aclimatação, mencionando pés inchados, o corpo coberto por abscessos, dores de cabeça e fraqueza. Ele estava impossibilitado de fazer qualquer trabalho.

No entanto, a narrativa sobre o clima começou a mudar. Dr. Blumenau, antes de fundar a colônia, já considerava a salubridade do clima como um fator crucial para a escolha do território, atribuindo a ela poucos casos de doenças. Em seus relatórios, ele afirmava que os problemas de aclimatação (como pés inchados e erupções de pele) desapareciam rapidamente com uma dieta e estilo de vida adequados, e que o clima à beira do Itajaí era "excepcional e, sem dúvida, muito saudável para a constituição física alemã".

Curiosamente, o mesmo Baumgarten que enfrentou grandes dificuldades, menos de um ano depois, em abril de 1854, já descrevia o clima da colônia como "ameno e saudável". Ele relatou que "De março a outubro é uma contínua primavera e os meses de verão são mais quentes que na Alemanha, é verdade, mas bem suportáveis e o calor é abrandado pelos ventos que regularmente sopram do mar e de terra e que tornam as noites frescas e agradáveis".

Esse discurso de um clima "ameno e saudável" prevaleceu nas fontes e foi usado como propaganda para atrair novos imigrantes, associado a fatores de saúde e progresso. Folhetos com mapas e textos explicativos eram distribuídos na Alemanha, exaltando o clima salubre e agradável do Vale do Itajaí. Mesmo com os europeus na Alemanha associando o clima tropical a problemas, cartas como as dos irmãos Weise afirmavam que o calor "não representava problema", pois as pessoas se acostumavam rapidamente. Os irmãos Kirschner, que chegaram em 1854, também não manifestaram problemas de aclimatação, contestando o "exagero atribuído pelos europeus em relação ao calor e às doenças".
Adaptação de Hábitos e Desafios Contínuos

O clima não influenciou apenas a saúde, mas também condicionou mudanças nos hábitos dos colonos, especialmente os alimentares. A dificuldade de cultivar cereais como o trigo no clima quente levou à substituição do pão de trigo por pão de milho. A dieta passou a incluir carne-seca, bolinhos, pirão de farinha de mandioca e feijão preto, no lugar da manteiga e cerveja da Alemanha.

A adaptação também se estendeu às técnicas de cultivo. Em 1866, a agremiação "Culturverein der Colonie Blumenau" discutiu estratégias para enfrentar o intenso frio, propondo a importação de sementes de grama e capim mais resistentes às geadas dos Estados de La Plata.

Apesar do tom geralmente positivo, o clima também trouxe desafios. Dr. Blumenau, em 1855, relatou um verão excepcionalmente quente que causou várias doenças. Em 1856, ele citou casos graves e até fatais de febres reumáticas, gástricas e nervosas, que afetaram tanto os habitantes locais quanto os recém-chegados e aclimatados, associando-as ao tempo seco e calor intenso. Christian Müller, um zoólogo que viveu em Blumenau nos anos 1880, descreveu noites verdadeiramente frias no inverno e, meses depois, um verão com sol "queimando quase verticalmente", tornando a hora do almoço insuportável. Ele notou como o clima influenciava a rotina diária. Além disso, enchentes foram extensivamente relatadas nos documentos do Dr. Blumenau, mostrando que os eventos associados ao clima nem sempre foram benéficos.

No final do século XIX e início do século XX, relatos de viajantes notaram mudanças físicas na aparência dos colonos, como o reconhecimento por Lacmann, em 1903, de uma "metamorfose". A cor da face dos nascidos na colônia tinha uma leve tonalidade amarela, e a estatura era um pouco menor que a do agricultor alemão, embora sem representar uma "degeneração da raça". Esse tipo de discurso reflete claramente as influências do pensamento evolucionista e do determinismo ambiental, comuns à época, marcados por categorias raciais e por uma visão hierarquizada das populações humanas.

Ao investigar essas representações do clima, o artigo contribui para uma História Ambiental crítica, mostrando como discursos sobre a natureza foram usados para moldar políticas migratórias e justificar ocupações territoriais. Além disso, ajuda a compreender os impactos das mudanças ambientais na construção das identidades culturais e sociais da região. Estes documentos históricos, incluindo cartas pessoais e relatórios oficiais, são fontes valiosas para compreender as relações passadas e presentes entre a sociedade e a natureza. Ao analisá-los, percebemos as inter-relações da interação humana com o meio ambiente e como as percepções e adaptações ao clima foram cruciais para o desenvolvimento local. A experiência dos imigrantes europeus no Vale do Itajaí no século XIX foi marcada por uma profunda interação com o clima. De um obstáculo inicial para a aclimatação a um elemento fundamental na propaganda e no desenvolvimento da colônia, o clima moldou hábitos, influenciou a saúde e deixou uma marca indelével na história dessa população.

Este trabalho ajuda a perceber que a História do clima é também uma história de adaptações culturais e estratégias políticas. Ao olhar para o passado sob a lente da História Ambiental, compreendemos melhor os desafios contemporâneos das mudanças climáticas, dos deslocamentos humanos e da sustentabilidade.

📖 Você pode acessar o artigo completo aqui:
👉 Leia o artigo na Revista Ars Historica

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quinta-feira, 19 de junho de 2025

O papel da História Ambiental na educação contemporânea



O artigo escrito por Nathália Moro, Anelisa Gregoleti e Christian Fausto dos Santos propõe uma reflexão interdisciplinar e pedagógica sobre o papel da História Ambiental no contexto educacional contemporâneo. Segundo os autores, a proposta da História Ambiental é “redefinir a perspectiva histórica convencional”, promovendo análises que integrem as dimensões políticas, sociais, culturais e ambientais.

Essa abordagem, ainda rara nas escolas e pouco explorada na formação docente, tem o potencial de aproximar os estudantes da compreensão de que o ser humano é parte integrante dos ecossistemas — ideia reforçada com a citação de Clive Ponting:

“Os seres humanos também fazem parte dos ecossistemas terrestres, mesmo nem sempre estando conscientes desse fato e de suas implicações.” (Ponting, 1995, p. 43)


O artigo resgata autores clássicos e contemporâneos — como Marc Bloch, Fernand Braudel, William Cronon e Alfred Crosby — para demonstrar como a História Ambiental surgiu como reação à visão humanocêntrica da história, que separava sociedade e natureza. A crítica de Donald Worster aparece como central, especialmente ao destacar que:

“A História Ambiental rejeita a premissa convencional de que a experiência humana teria se desenvolvido sem restrições naturais.” (Worster, 1991, p. 199)

O estudo também enfatiza que a História Ambiental exige uma abordagem temporal mais ampla, que inclua não apenas o tempo histórico, mas também o tempo geológico, com suas dinâmicas ecológicas, climáticas e biológicas. Os autores defendem que a adoção da História Ambiental no ensino pode contribuir significativamente para a formação de uma consciência ecológica crítica. Isso passa, necessariamente, pela superação da fragmentação entre disciplinas escolares — sobretudo entre as ciências humanas e naturais.

Para isso, propõem uma educação que situe os estudantes não apenas no tempo, mas também no espaço, ou seja, que integre as paisagens, os biomas e as marcas da ocupação humana aos conteúdos escolares. Um exemplo é a Mata Atlântica, que apesar de sua importância histórica e ambiental, é muitas vezes invisibilizada no ensino de História. Como destacam os autores:

“Devido à intensa exploração, resta apenas 5 a 12% da Mata Atlântica, principalmente em pequenos fragmentos florestais.” (Ferrão, 1992; Dean, 1996).

A pesquisa finaliza enfatizando que a História Ambiental, quando integrada ao ensino, pode ser um poderoso instrumento de Educação Ambiental, por meio da articulação entre teoria, pesquisa e práticas pedagógicas. É preciso, segundo os autores, que o ensino leve os estudantes a compreenderem que as ações humanas do passado moldam o presente — e comprometem o futuro. Assim existe uma urgência de uma educação comprometida com a sustentabilidade, capaz de formar sujeitos críticos, conscientes e atuantes. A sustentabilidade, portanto, é apresentada como um eixo transversal e necessário para uma pedagogia do presente e do futuro.

“Tecendo conexões sustentáveis” é um texto fundamental para educadores e pesquisadores que desejam compreender o potencial formativo da História Ambiental. Ao integrar teoria, crítica e propostas didáticas, o artigo convida à reflexão sobre como ensinar História de forma ambientalmente consciente e socialmente engajada.


📘 Autoras: Nathália Moro, Anelisa Mota Gregoleti e Christian Fausto Moraes dos Santos
📍 Publicado em: Revista Educação e Saber – REdeS, v. 2, edição especial dos Anais do II Seminário Internacional sobre Educação e Desenvolvimento Regional (2025), p. 47–56.
🔗 DOI: 10.24302/redes.v2ianais.5161

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Desvendar a História Ambiental: um ensaio sobre abordagens e fontes, por José Augusto Drummond


Vamos tratar do texto Caminhos para a História Ambiental – Ensaio sobre Abordagens e Fontes, de José Augusto Drummond, publicado na revista HALAC – Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña (v.15, n.1, 2025), p. 452–484. 🔗 Disponível em: https://halacsolcha.org/index.php/halac. 

Neste ensaio o pesquisador José Augusto Drummond compartilha de sua caminhada intelectual e  metodológica, que percorreu para construir sua leitura e prática da História Ambiental (HA). O texto se estrutura como uma jornada teórica, vivencial e interdisciplinar, revelando não apenas fontes e conceitos, mas também dilemas, encontros e influências decisivas.

Logo na introdução, o autor esclarece sua proposta: não pretende apresentar uma metodologia rígida, mas sim reunir “observações e aprendizados sobre abordagens e fontes referentes à história ambiental” (p. 452). Trata-se de um ensaio pensado a partir de uma palestra dada em 2023, o que lhe confere um tom informal, ao mesmo tempo crítico e didático. 

Drummond afirma sua filiação direta à abordagem do historiador Donald Worster, especialmente à proposta que ficou conhecida como perspectiva sócionaturalista. Essa perspectiva articula três eixos: (1) o ambiente biofísico, (2) as tecnologias de uso da natureza e (3) os valores e culturas humanas envolvidos nesse processo. Segundo o autor, para que uma pesquisa seja verdadeiramente uma história ambiental “de raiz”, ela precisa lidar com esses três níveis simultaneamente. Citando Worster, ele enfatiza:

“Um estudioso que pratica a HA de raiz [...] tem que lidar com as três dimensões.” (p. 455)

Ao longo do texto, Drummond apresenta autores que o influenciaram na construção de sua visão integrada: Julian Steward, Leslie White, Marvin Harris, Darcy Ribeiro e Carl Sauer. Ele reconhece, por exemplo, que Steward já trabalhava com uma abordagem tripartite semelhante à de Worster, sob o nome de “ecologia cultural” — estudando:

 “o quadro de recursos naturais disponíveis, as tecnologias de exploração desses recursos, e os valores e estruturas sociais que emergem daí” (p. 457).

Drummond lamenta que autores como Steward e Harris sejam pouco ensinados no Brasil e destaca que, embora associados ao evolucionismo cultural, suas propostas são centrais para pensar a história das interações entre sociedade e natureza de maneira materialista, porém crítica.

Um dos trechos mais provocativos do ensaio é quando Drummond discute o tempo geológico, muitas vezes ignorado pelos historiadores sociais. Segundo ele, praticar História Ambiental exige familiaridade com escalas temporais muito mais amplas do que as comumente trabalhadas nas ciências humanas.

“O praticante da HA precisa estar antenado para — e se sentir confortável com — as dilatadas escalas de tempo que marcaram o surgimento e mudança dos componentes da natureza.” (p. 463)

Ele também critica o “paradigma da imunidade humana” — a ideia, ainda presente em parte das ciências sociais, de que a natureza não condiciona a ação humana. Em contraposição, afirma que


“as sociedades humanas [...] não são imunes às ações e aos condicionantes das variáveis naturais.” (p. 464)


Drummond encerra com uma valiosa discussão sobre fontes, métodos e instituições voltadas à História Ambiental. Ele recomenda recursos como a revista HALAC, a Sociedad Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental (SOLCHA) e outras plataformas nacionais e internacionais. Também defende o trabalho de campo, incentivando os pesquisadores a “calçarem as botas” e observarem diretamente as paisagens, as marcas humanas e os conflitos ambientais nos territórios que estudam (p. 465).

Drummond deixa claro que a História Ambiental não é uma simples subcategoria da História ou da Ecologia, mas sim uma ciência histórica com base interdisciplinar, que demanda domínio conceitual e abertura ao diálogo com diferentes campos do saber.

Em sua definição mais lapidar, ele afirma:

“A HA é o estudo das interações mútuas entre o mundo das sociedades humanas e o mundo da natureza, com a suposição de que as sociedades modificam a natureza e de que a natureza faz o mesmo com as sociedades.” (p. 466)


A leitura deste ensaio é fundamental para estudantes, pesquisadores e professores interessados na História Ambiental como prática crítica e transformadora. Com uma escrita clara, provocativa e generosa, José Augusto Drummond oferece aqui não apenas uma introdução ao campo, mas um verdadeiro manifesto pelo rigor e pela interdisciplinaridade na abordagem das questões socioambientais.

📖 Leia o artigo completo na revista HALAC:
🔗 Caminhos para a História Ambiental - HALAC 2025