"Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo".
José Ortega y Gasset

sábado, 20 de janeiro de 2024

Sertão sofredor, música de Luiz Gonzaga: um ensaio de História Ambiental

Luiz Gonzaga, o "Rei do Baião", nasceu em 1912 em Exu, no sertão de Pernambuco, e faleceu em 1989. Sua música foi essencial para difundir e popularizar o baião, um ritmo nordestino, em todo o Brasil. Ele é reconhecido por seu papel na valorização e na disseminação da cultura nordestina por meio de suas canções. Luiz Gonzaga incorporou elementos das tradições musicais do nordeste brasileiro, como o baião, o xote e o forró, misturando-os com influências da música popular da época. Suas letras frequentemente abordavam temas como a vida no sertão, a seca, a cultura popular, as festividades e a vida do povo nordestino. Muitas de suas músicas tornaram-se verdadeiros hinos regionais, como "Asa Branca" e "Juazeiro".

Além de suas contribuições musicais, Luiz Gonzaga desempenhou um papel significativo na popularização do forró no Brasil, levando esse estilo musical para além do Nordeste e conquistando fãs em todo o país. Sua influência na música brasileira é imensa, sendo lembrado como um ícone cultural que preservou e divulgou as riquezas das tradições do nordeste brasileiro por meio de suas composições.

Tendo isso em vista, e que a abordagem da História Ambiental busca compreender as interações entre sociedade e ambiente ao longo do tempo. Ao analisar uma das música de Luiz Gonzaga conseguimos diversos elementos para um ensaio sobre a História Ambiental de sua música. Vamos aqui explorar a música "Sertão Sofredor", você conhece? Escuta e observe a canção:



Na letra da música "Sertão Sofredor" de Luiz Gonzaga podemos identificar uma narrativa rica em elementos que descrevem a relação entre as condições ambientais e a vida das pessoas no sertão nordestino. Observem a letra:

Ah, meu sertão véio sofredô! Terrazinha pesada da gota! Terra mole, vote...
Quando chove lá, chove prá derreter tudo. A terra vira lama, a cheia acaba com os pobres, açudão pro mundo...Aquilo num é nem chuva, é dilúvio! E quando não chove é mais pior meu chefe! É o verão brabo! Torrando tudo, lascando, acabando com o que era verde! Home... Pulo verão no meu sertão, de verde só fica mermo pano de bilhar, óculo reiban e pena de papagaio! É um desadouro meu chefe!
Ah, Sertão Veio sofredor!
Inté Paulo Afonso, que era a redenção do Nordeste, virou coisa de luxo. Só está servindo móde iluminar as cidade grande.
Cadê as fábrica?
Cadê as industria?
Cadê as coisa boa anunciada pro Nordeste?
E se vier outra seca lascada?
Ah! Ah! È uma praga meu chefe...
Ah! Sertãzinho sofredor...
É por isso que eu canto:
Posso falar? - Pode...
-Cantando: Quero falar
Do meu sertão
Meu sertãozinho
Desprezado como o que
Peço a atenção
De toda gente
Prá minha terra
Terra do meu bem querer

Matéria-prima
Tudo temos de primeira, sim
Valor humano
Gente honesta e ordeira também
O que nos falta então
É uma ajuda leal
Do grande chefe
Do governo Federal
Pois é...


A letra revela a vulnerabilidade do sertão diante das intempéries climáticas, destacando a alternância entre períodos de chuva intensa e secas prolongadas. Essa dinâmica climática extremamente desafiadora afeta diretamente a vida dos habitantes locais, causando dificuldades na agricultura, destruição de plantações e a escassez de recursos hídricos.

Luiz Gonzaga retrata também a transformação do ambiente, mencionando a degradação da natureza pelo avanço da seca e pela falta de estrutura para lidar com as condições adversas. A referência à energia de Paulo Afonso, inicialmente vista como redentora para a região, é apresentada como algo que agora serve apenas às grandes cidades, evidenciando a exclusão do sertão desses avanços.

Além disso, a música traz críticas à ausência de investimentos e oportunidades de desenvolvimento na região, destacando a necessidade de uma intervenção mais ativa do governo federal para fornecer suporte e melhorar as condições de vida das comunidades do sertão.

Nesse contexto, a música não apenas expressa a dor e as dificuldades enfrentadas pelo povo do sertão, mas também clama por atenção, reconhecimento e apoio para uma região com potencial humano e recursos naturais valiosos, mas frequentemente negligenciada pelas políticas públicas e pelo desenvolvimento econômico nacional.

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